quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Néctar de Imagens e Letras

Ana Maria Haddad Baptista

Das Memórias

A memória comporta diversos processos. Comporta inúmeras formas de investigação. De qualquer maneira sabemos que o homem desde que teve consciência de si buscou, de maneira incansável, respostas. E a memória foi um dos importantes mecanismos pelos quais a humanidade se valeu para saber de si e de seu passado coletivo.
Mas tudo isso possui uma história. Naturalmente que num primeiro momento o homem percebeu que ele detinha uma memória individual. Posteriormente,  a memória passa a ser externa ao homem. E os primeiros registros além da esfera individual começam a ser materializados.



Rose Marie Silva Haddad/ Jarros





Jarro  Grego

Os jarros são, entre tantas outras possibilidades, portadores de memórias antigas. Muito antigas. Graças às imagens registradas nos jarros pudemos reconstituir boa parte das memórias de nossos antepassados. 


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Néctar de Letras e Imagens: O que estamos lendo?

Estamos lendo poesias. Meus alunos da UNINOVE, segundo semestre de Letras, período noturno, depois de um dia intenso de trabalho. Um dia massificante de trânsito pelos meios de transportes  paulistanos. Ainda encontram ânimo e fôlego para ler o que há de melhor em Literatura. Por quê? Meus alunos, felizmente,  como quase todos que já passaram por minhas mãos...adoram desafios! Não se deixam vencer por obstáculos. 


Estamos lendo fragmentos da grande obra clássica ENEIDA do famoso poeta Públio Virgílio Maro. Este  poeta maravilhoso nasceu no ano de 70 a.C. e morreu em 19 a.C. Não é uma literatura fácil. Contudo, ela nos dá uma dimensão histórica e literária de uma época que, em muitos aspectos, influenciou a literatura universal posterior. Como sempre a boa literatura transformando o existencial. Como sempre a literatura convocando, mais do que nunca, o pensamento!


quinta-feira, 21 de novembro de 2013


Néctar de Letras e Imagens:

New York: consumo, escravidão e poesia

Ana Maria Haddad Baptista


Times Square

5a. Avenida

Times Square

New York desencanta por todos os processos, verdadeiramente, desumanos que por lá encontramos. Cidade de excessos. Excesso de comida. De barulho. De lixo. De luxo. Todas as raças e credos confluem numa disparada sem controle. Cada um para si. De si para si. Sempre. O tempo por lá possui uma outra marcação. Os relógios, de longe, dispararam. E todos eles estão em ritmos, realmente, alucinantes. 
De qualquer forma sempre há um espaço para a poesia. Ouçamos o grande poeta contemporâneo Adonis.
Adonis é o pseudônimo de Ali Ahmad Said Esber,  um dos  maiores poetas árabes de todos os tempos. Quem foi Adonis? De  acordo com os registros  mitológicos, largamente divulgados na tradição grega (inclusive) nasceu de uma árvore. Uma criança que nasceu tão bela que foi duramente disputada por Afrodite e Perséfone.
O poeta árabe traz para nós uma poesia autêntica e que libera toda a potencialidade de uma escrita que  materializa sensibilidade, crítica mordaz ; não a crítica panfletária e direta, mas aquela inundada por uma onda de ironias que invadem o nosso universo, agudamente debruçada sobre os poderes e rivalidades , infelizmente construídos, entre Oriente e Ocidente.
A memória do poeta evoca e transforma suas experiências em versos com imagens, em todos os graus. Transbordam em sua poesia a exigência  de leitores disponíveis a um ardoroso exercício de pensamento. Adonis não concede, como, por exemplo, no seguinte trecho: NOVA YORK- WALL STREET – RUA 125- QUINTA AVENIDA/ Fantasma medúseo se ergue dos ombros./ Mercado de escravos de todo tipo. /Pessoas vivem como plantas em jardins de vidro./Miseráveis invisíveis interpenetram-se como o pó no tecido do espaço- espiral de vítimas./O sol é funeral,/o dia, tambor negro.
Desde que o mundo é mundo …podemos nos relacionar com o que quer que seja de diversas formas e maneiras. Podemos nos relacionar com o rio para pescar. Para catar pedregulhos. Para andar de barquetas. Para andar por suas doces águas declaradamente traiçoeiras. Para apenas admirá-lo. Para adocicar nossos pés. Adonis mostra a sua relação com a famosa Quinta Avenida de Nova York, que, diga-se de passagem, contradiz a maioria do planeta. Desgraçadamente a Quinta Avenida é objeto e alvo mundial de admiração. O poeta árabe  alerta os leitores para uma outra leitura da famosa avenida. A leitura de um escritor  sagaz, agudo e que não se deixa seduzir por uma visão meramente consumista de um país declaradamente imperialista que se sustenta, como se sabe, com a submissão e escravidão de seu próprio povo e  fragilizados do planeta.
Outro destaque do livro de Adonis é o seu poema Guia para viajar pelas florestas do sentido. O título, por si , corresponde a uma imagem fascinante do que virá depois. Nas palavras do poeta: O que é a melancolia?/anoitecer/no espaço do corpo./O que é a sorte?/dado/na mão do tempo./O que é sonho?/faminto que não para/de bater à porta da realidade./ O que é a tristeza?/ palavra descartada por engano/ pelo dicionário da alegria./O que é a surpresa?/pássaro/ que escapou da gaiola da realidade./
Pergunto: o que é Adonis? Poeta que consegue captar, com sensibilidade, os pré individuais que pululam ao nosso redor, mas como poucos consegue dar visibilidade e flechar leitores para outras perspectivas de uma existência que continuamente requer  redefinições, novos conceitos, verticalizações subjetivas para caminhos de criatividade que nos darão armas para corroer a tristeza, a injustiça, a desigualdade e deslealdade que nos circundam. Poesia de boa qualidade é vitamina que contamina. Vivam as palavras!



quarta-feira, 20 de novembro de 2013




Néctar de Letras e Imagens: Cora Coralina

Cora Coralina/Rose Marie Silva Haddad




Cora Coralina

Ana Maria Haddad Baptista

O que leva um escritor, artista, cientista ou o  bom pensador a se tornar um grande conhecido? E, também, o outro lado da moeda: o que leva um grande artista, cientista, grande pensador a permanecer, um vida inteira, no puro anonimato? Alguns, em vida,  desconhecidos, por alguma razão, ainda são reconhecidos depois de virarem puro pó. Certamente muitos homens e mulheres morreram com livros, ideias e conceitos originais que jamais a humanidade se dará conta. Meu grande Bandeira, permita, mais uma vez: estrelas da vida inteira que nunca puderam tornar público o seu brilho intenso…pena para o mundo, pena para a humanidade. Queiramos ou não sabemos que o fato é verdadeiro e, sobretudo, doloroso.
Cora Coralina ou Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas (1889-1985) quase passa despercebida não fosse o brilhantismo habitual de Carlos Drummond de Andrade.
Vintém de Cobre, por exemplo,  Editora Global, ultrapassa todos os limites de uma literatura cujos  cânones  estabelecem  fronteiras entre a prosa e a poesia. Em forma de poesia narrativa, por falta de uma terminologia mais adequada, a autora recorre a seu passado e redescobre  verdadeiras cápsulas de um tempo que ela supôs perdido, morto. Com tal procedimento desperta no leitor as mesmas sensações: Que procura você, Aninha?/Que força a fez despedaçar correntes de afetos?/ e trazê-la de volta às pedras lapidares do passado?/ Sozinha, sem medo, vinte e sete anos já passados…/ Meu vintém perdido, meu vintém de felicidade./Capacidade maior de ser eu mesma, minha afirmação constante.
O surpreendente da literatura de Cora Coralina : sua primeira publicação somente ocorreu quando a autora tinha 76 anos. Eis um bom argumento, para uma vez mais, se pensar que a boa literatura, na maioria das vezes, somente é possível após amadurecimento e muita experiência vivida. Como ela mesma afirma: Poeta é ser ambicioso, insatisfeito/ procurando no jogo das palavras,/ no imprevisto do texto, atingir a perfeição inalcançável./ O autêntico sabe que jamais/ chegará ao prêmio Nobel./O medíocre se acredita sempre perto dele./ Alguns vêm a mim./ Querem a palavra, o incentivo, a apreciação./ Que dizer a um jovem ansioso na sede precoce de lançar um livro/ Tão pobre ainda sua bagagem cultural,/ tão restrito seu vocabulário,/enxugando lágrimas que não chorou,/dores que não sentiu/sofrimentos imaginários que não experimentou.
 Quando a autora, que nasceu em Goiás, tinha noventa anos sua literatura caiu nas mãos de nosso saudoso Drummond que a tirou do quase anonimato.
Retomando: na verdade, se ela não caísse nas mãos de um autor consagrado, generoso e fascinante como o poeta mineiro, talvez, poucas pessoas tivessem acesso ao mundo de Cora Coralina.
Literatura saborosa, muitas vezes amarga, surpreende pela simplicidade e pela agudeza de uma mulher sofrida e vivida. Na obra em referência, Cora Coralina, em diversos momentos, condena a severidade  escolar e a do mundo adultos em que as vozes infantis não tinham a menor expressão. Desta forma, contribui, lucidamente, para que não tenhamos dúvidas de que o passado, que via de regra é reverenciado como exemplar pela geração presente, deva ser examinado com mais agudeza e clareza.
A leitura de Cora Coralina permite, inclusive, que todas as áreas do conhecimento, uma vez mais, repense seus critérios, suas respectivas metodologias. Por quê? Simplesmente porque, na maioria das vezes, a verdade aparentemente tão próxima de nós...escapa. Escapa como água das mãos, como pássaros assustados pressentindo a prisão de uma gaiola. Esta poeta fascinante ajudou muitas mulheres em seu tempo a encontrarem o seu caminho. Ajudou de todas as maneiras. Uma visita à sua cidade natal mostra, em parte, o quanto ela foi querida e o que fez pela humanidade, além de sua literatura que por si só já fala muita coisa.








domingo, 17 de novembro de 2013


Néctar de Letras e de Imagens:

Do Tempo e das Temporalidades I

Ana Maria Haddad Baptista



Natureza em Movimento




Portugal
Rios que fluem 



Jardins de Dublin 
 movimento

Em algum momento do passado da humanidade, certamente, alguém contemplando o mar, ou, contemplando a natureza como um todo, pensou: em que reside o movimento? A Terra, o Universo e tudo o que nos rodeia são processos fixos ou mutáveis? E, possivelmente, vieram as primeiras ideias, mesmo que vagas, de um tempo. Pelos registros que sobreviveram até hoje, tudo indica  que os habitantes mais antigos da Terra pensaram que tudo fosse fixo. O conceito da fixidez. Da imutabilidade. Da constância. Do que não muda. Nossos ancestrais não tinham como imaginar, diante das condições objetivas  que se mostravam naquele momento, que, na verdade, tudo está em perpétuo movimento. Uma das primeiras imagens de movimento foi dada por Heráclito. Os famosos rios que fluem. E como tais... nunca mais são e serão os mesmos.
Possivelmente, tudo indica, deve ter vindo o conceito da repetibilidade cíclica. O dia e a noite. O nascimento e a morte. Os ciclos constantes da natureza. Processo que partem e, depois, voltam.
Modernamente  a humanidade tem abstração suficiente para definir um tempo que pertence somente a cada um de nós. O famoso tempo subjetivo. Tempo em desacordo com relógios. Tempo em desacordo com a natureza. Tempo em desacordo total com qualquer conceito que venha de fora. O tempo subjetivo diz respeito a como cada um de nós sente o tempo. O sentir de uma temporalidade que nos diz respeito num certo momento, uma espécie de temporalidade circunstancial, como por exemplo:
“Para mim, o tempo é fim. Ele determina em minha vida a passagem das coisas, das pessoas, dos momentos...Desde que me dei conta do tempo e passei a senti-lo como se suas garras  tomassem minha vida aos poucos, percebi o quanto ele é rápido.” (aluna da UNINOVE/2o. Semestre noturno)
O tempo é uma dimensão da humanidade tão paradoxal que poucos se atrevem a discuti-lo. Contudo, Paulo Ricoeur, entre tantos outros, grande estudioso e pesquisador do assunto, possui um dos mais belos conceitos a respeito do tempo: “Continuo a pensar que existirão sempre duas leituras do tempo: uma leitura cosmológica e uma leitura psicológica, um tempo do mundo e um tempo da alma. E que o tempo escapa à pretensão de unificação. O que me conduz diretamente ao tema kantiano da imperscrutabilidade do tempo: o tempo avança, corre, e até o fato de dele se falar só através de metáforas mostra que não temos domínio sobre ele, não apenas prático, evidentemente, ou instrumental, como também conceptual.”






sábado, 16 de novembro de 2013

Néctar de Letras

Da Interpretação III

Ana Maria Haddad Baptista

Primeiramente gostaria de lembrar, como muitos estudiosos já fizeram, que cada linguagem possui limites e possibilidades. A linguagem escrita, por exemplo, solicita do receptor, um grande grau de abstração, visto que trabalha com o ausente. Desta forma, quando leio uma palavra, é necessário que eu imagine o objeto.Quando leio um livro preciso imaginar as personagens, os lugares, enfim, a minha imaginação, em maior ou menor grau, precisa entrar em ação para que a leitura/interpretação se complete. 
Contudo, quando lidamos com outras linguagens, como por exemplo, com a pintura, as coisas mudam. Uma pintura figurativa já indica o objeto. As cores, o brilho, o movimento e outros elementos que constituem a linguagem pictórica.



Mulher ao Luar/Rose Marie Silva Haddad

No quadro em questão temos uma mulher que contempla o luar. Aqui e para todos os tipos de textos podemos fazer associações
subjetivas. Qual a minha associação? Meramente subjetiva...lembro-me, quando vejo esta pintura, de um belo poema de um escritor simbolista brasileiro.

Eis o poema:

Ismália
Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


A literatura tem o poder, entre tantos outros, de sugerir associações que estimulam não somente nossa capacidade cognitiva, mas... nossa capacidade de sonhar...imaginar...fantasiar! E, naturalmente, o mesmo ocorre com a pintura!