sexta-feira, 25 de abril de 2014

Educação, tempo-memória e literatura

Ana Maria Haddad Baptista


Ilha Azul/Rose Marie Silva Haddad


Ser um educador implica, fundamentalmente, em grandes alegrias. Spinoza diria paixões alegres. As paixões alegres potencializam o ser. E meus alunos, via de regra, potencializam meus atos e minhas  ações. Meus alunos sempre vão além de minhas expectativas, visto que sempre acreditei neles.
Após uma aula a respeito de tempo-memória em Giorgos Seféris, escritor grego moderno e grande memorialista, pedi aos estudantes do curso de Tradutor Intérprete, noturno, da Universidade Nove de Julho, que me escrevessem uma reflexão sobre o tempo-memória. Transcrevo, com imensa satisfação, os textos produzidos:

“Podemos dividir o tempo entre racional e irracional. O primeiro permite ao homem criar situações em que usa o tempo a seu favor, enquanto o segundo é controlado pelo período temporal.
Associamos o tempo-memória com a racionalidade. O ser humano, único ser racional, tem a capacidade de usar a memória para escolher como  usufruir do tempo. Um exemplo seria a rotina diferenciada de cada indivíduo que consegue se adaptar, apesar de suas necessidades fisiológicas, a fim de satisfazer suas vontades.
Do ponto de vista irracional, podemos exemplificar o tempo como a evolução de uma largada que é, involuntariamente, controlada pelo agir do tempo. Suas metamorfoses acontecem independentemente de uma memória cerebral. Mas no decorrer do tempo desenvolve em seu instinto. O mesmo seria aplicado às tartarugas marinhas que ao sair de seus ovos, no tempo determinado pela natureza, se dirigem diretamente, pela primeira vez, ao mar sem nenhuma memória prévia.”

Caroline Lima Sousa
Diva Maria Nolasco
Hellen Sofhia dos Santos
Jennifer Morais de Melo
Letícia Cravo Marani
Michele Ariane Freitas Soares

“A definição de tempo na história do homem sempre foi cheia de significados de acordo com diversas culturas e épocas, mas ainda muito vaga. O homem tem a necessidade de utilizar a unidade de medida para mensurar o tempo. Mas...com uma breve reflexão volta-se à estaca zero. Torna-se muito difícil defini-lo.
Podemos dizer que o ser humano tem em comum a percepção internalizada de tempo, como por exemplo: bons momentos vividos passam rápido, momentos ruins demoram a passar. Tal dilatação do tempo é sentida individualmente. O tempo não mudou.
No caso das memórias elas dão a percepção de passado e futuro. O presente se torna algo tão próximo, quase tangível, ao se perceber que ele se torna o passado que nos impulsiona para o futuro.”

Bruno Gonçalves
Hanna Lima
Alexandre Passos
Filipe Melo
Mayara Lanfrandi
Júlio Brandão
Fernando Sampaio

“Não há como definir exatamente o que seja o tempo, pois ele não tem corpo, vida, talvez apenas o nome ‘tempo’.
Identificamos o tempo por várias faces. O desenvolvimento de um simples botão ou semente tornando-se um gigante verde que conhecemos como árvore. Imaginamos, muitas vezes, o que acontece durante todo o nosso desenvolvimento desde a infância até a maturidade. Por que não atentamos para uma semente que se torna uma árvore?
Assim como não lembramos de todas as nossas experiências, como os primeiros passos, a primeira palavra, no entanto...lembramos da primeira professora, da primeira bicicleta, do primeiro amor.
Nosso conhecimento de mundo associado às nossas lembranças nos levam à transitoriedade do presente. As lembranças representam a nossa identidade. Somos o resultado do que vivemos no passado refletindo no presente e futuro.  Gabriel García Márquez afirmou: “eu te amo não pelo que você é...e sim pelo que sou quando estou com você.”

Angela Wright
Ailton Lopez
Stella Ferreira
Patrícia Albarez
Rosemeire Bela

“Ao contrário dos demais animais , o ser humano tem a capacidade de refletir profundamente sobre o tempo e suas memórias. Mesmo assim é impossível definir o tempo com exatidão. O tempo é subjetivo aos seres.
Analisamos nas atitudes dos animais de estimação uma certa noção de tempo quanto às atividades cotidianas, por exemplo, o horário de chegada de seu dono em casa. Percebe-se uma ansiedade por parte do animal com a proximidade da hora de chegada. Não sabemos, porém, se isto é uma questão refletida ou fisiológica. Quanto à memória também há esta ligação. O animal associa o som do pote de ração com a hora de comer. A coleira com a hora do passeio e a caixa de transporte com o veterinário. Isto devido a experiências passadas por ele.
Já o ser humano possui a capacidade de análise dos fatos de forma mais pensada e, por causa disso, consegue desenvolver culturas tão complexas quando existem hoje. E a capacidade de transmissão de acontecimentos e experiências passadas por gerações.”

Priscila Belcaro Miranda
André Felipe L. Moniz

Declaro, diferentemente dos educadores urubulinos, que os textos em referência, produzidos em apenas duas aulas... tiveram somente pequenas correções de pontuação. Não encontrei nenhum, absolutamente, nenhum erro de grafia ou concordância. Meus alunos estão de parabéns! Eis a prova concreta de que alunos devidamente estimulados produzem textos bons. E, sobretudo: sabem pensar...Nada mais abstrato do que pensar o tempo-memória!





sexta-feira, 18 de abril de 2014


Carta a Gabriel García Márquez

Ana Maria Haddad Baptista

Querido Gabo,

Em Macondo, crônica de uma morte anunciada, há algum tempo, se fez uma dimensão possível do que denominam real. Mas. Em Macondo muitas coisas beiram o fantástico. Revoa,oa,oa,oa,oa,oa,oa..., entre as pessoas da aldeia, a seguinte história:
Dizem que você, ontem, depois da leveza insustentável de um sono advindo das profundezas...o irretornável, voou para os céus. E, ao entrar, não gostou nada...nada do que viu! Os céus estavam quase vazios.  A tal ponto que o povo, por lá, estava lendo com tanta atenção, Cem anos de solidão, que mal notou seus olhos observadores. Dizem, em Macondo, que você ficou decepcionado com a calmaria e ao pensar em mudar de rumo, eis que Pégasos passa e pergunta se queria uma carona para o Olimpo. Dizem, em Macondo, que você nem hesitou. Montou com destreza em Pégasos. Contudo, dizem, pediu para  dar umas voltas pelas memórias universais. Pégasos obedeceu. Mas. Dizem, em Macondo, que quando você chegou no Olimpo, Mnemósine, a tal da  deusa da memória, foi correndo encontrá-lo. Aliás, ela já te esperava com ambrosia e tudo o mais. Dizem, em Macondo, que você sorriu muito. Irresponsavelmente.  De longe já avistou Borges que, feliz, passeava em meio a jardins de livros que se bifurcavam. Dizem as más línguas (como sempre) que Saramago, ao sabor dos ventos olímpicos,  estava a tomar um belo vinho espanhol e discutia, em voz alta (quase duplicada), o evangelho, com Jesus Cristo. Octavio Paz nem interveio. Obstinado, reescrevia o labirinto da solidão. Mas. Zeus veio correndo cumprimentá-lo. Afinal, ele teria comentado... havia muito tempo que o Olimpo não recebia pessoas de tanto gaborito! Guimarães Rosa, imagine,  passeava, por rios caudalosos, com Diadorim. Dizem que até de mãos dadas...Nada mais engenhoso do que as más línguas! Desde que o imundo é mundo.

De repente Mnemósine interrompe sua conversa com Zeus.  Aflita. Muito aflita. Quase chorando. Pega você por mãos mais macias que algodão em flocos. Guia-o por labirintos indiscerníveis do Olimpo. E, finalmente, pede que você console as nove Musas que choram. Lágrimas de cristais cintilam. Dizem lá, em Macondo, que elas não param de indagar: E agora? Aos ouvidos de quem iremos sussurrar? Cantar? Mentir?  De quem? De quem? De quem? De quem? De quem? De quem? De quem? De quem? De quem?

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O que estou relendo? Cem anos de solidão.

Ana Maria Haddad Baptista

A humanidade deveria estar, hoje, mais preocupada. Uma de suas maiores vozes está doente. Muito doente. Uma grande voz com o sério risco de se calar. Gabriel García Márquez. Lembremos com grande grau de lamentação: todas as vezes que os verdadeiros batalhadores por um mundo mais justo se calam...os imbecis batem palmas. Aliviados! 
Cem anos de solidão não somente preencheu vazios existenciais. Cem anos de solidão eternizou uma determinada forma de linguagem. Eternizou uma forma de narrar. Eternizou uma certa realidade que se mistura com elementos de ficcionalidade que somente uma sensibilidade como a do autor colombiano poderia materializar. 
Acima de qualquer coisa Cien Años de Soledad eterniza um conceito de temporalidade que mergulha a humanidade a todo o momento em indagações a respeito da efemeridade de uma vida inteira, ou certas determinações das quais jamais conseguimos escapar, ou o fascínio por certas pessoas e, sobretudo, a grande e absoluta solidão que sempre habitou, habita e habitará a existencialidade humana. E os desumanos, inclusive, não conseguem fugir de tal condição.
Cien Años de Soledad  custaram a Gabi um retiro subjetivo vertical que possibilita  multiplicar ações. Transpor todas as adversidades que impeçam os sonhos de um mundo mais respirável.


sábado, 5 de abril de 2014

Néctar de Letras: o que estou lendo hoje?

Ana Maria Haddad Baptista

Ana Miranda é uma escritora bastante conhecida por obras como Boca do Inferno e outras. Merecidamente, ganhou diversos prêmios destinados aos grandes mestres da Literatura. 
Semíramis, Cia das Letras, lançado recentemente está um arraso! Eu diria que foi o melhor texto literário que li nos últimos anos! Um dos marcos de Ana Miranda é a famosa mistura de ficção e realidade. O denominado romance histórico. Semíramis é um pouco da vida de José de Alencar, nosso grande escritor do século XIX. No entanto a autora não faz uma biografia. Diria: mais uma biografia. 
Ana Miranda a cada capítulo do livro faz um verdadeiro poema. Os capítulos praticamente se fecham. Capítulos curtos de parágrafos únicos e, totalmente, trabalhados  em linguagem poética. Nessa medida, enquanto fala de José de Alencar, o Cazuza, faz uma literatura plena de poesia como foi a linguagem de Iracema do nosso grande escritor brasileiro.
Em tempos de tanta violência velada, camuflada, explícita, maldita, eis que uma alma sensível como a de Ana Miranda presenteia a humanidade com poeticidade! Com uma literatura que não resolve problemas...mas prolonga, com toda a segurança, nossos sentidos e nos lembra que ainda resta muito de humano no sentido pleno da expressão.