quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Literatura e Matemática: da linguagem, das linguagens   


Ana Maria Haddad Baptista


Considerações Preliminares






O grande escritor grego moderno, Yorgos Seferis (1900-1971), escreveu em um de seus belos diários, que um livro, entre outras coisas, seria uma espécie de ‘reserva de vida’. Difícil  esquecer de tal imagem que, na verdade, jamais havíamos, sequer, sonhado. Somente, talvez, intuído. Por isso que muitas vezes, compramos  certos livros, em especial, quando sabemos que aquele livro só pode ser muito bom (há indícios: um novo autor a descobrir, um autor muito conhecido e querido) e, simplesmente, adiamos sua leitura. Sabemos, lá do fundo de nossa alma, que naquela obra existe algo que deverá nos surpreender. Que existe um misterioso trabalho de linguagem que deverá nos seduzir.  E, como a vida, via de regra, possui largos espaços de tédio, temos medo de ficarmos sem 'reservas de vida'. Sem brilhos e faíscas que possam cintilar em nosso medíocre cotidiano. Eis uma grande verdade. O que é um livro? Em que medida a literatura preenche espaços inimagináveis? E de repente, muitas vezes,  vou a uma livraria e nada encontro. Vertigem. Estou perdida. Ou um grande autor morre! Um grande pensador! Ficamos mergulhados na mais completa solidão à espera de  que alguma coisa aconteça para sair de um torpor que nos amedronta. [1] Mas, claro, sempre existe  a possibilidade fascinante de pegarmos ‘uma reserva de vida’. Recorremos a Borges. O grande Borges. Abrimos em seus contos, que sempre beiram, uma irrealidade que, quase, extrapola o tácito compromisso de que há um acordo entre autor e leitor que é o pacto da ficção. O pacto do inesperado. Para onde Borges nos pretende levar? Muitas vezes, numa atmosfera rodeada de ritmos da Física, da Matemática e outras ‘áreas do saber’ aparentemente sem a menor conexão com o mundo das pretensas universalidades e verdades. Ou recorremos a Fernando Pessoa. Para meu espanto matemática pura. E um universo completamente dominado por cadeias de signos com os ritmos das teorias dos infinitos.

Da linguagem: pequenos  mistérios e paradoxos

Quando pegamos um livro, seja ele qual for, o que nos intriga, na verdade, está diretamente relacionado com o sentido e as significações que aquele livro nos provoca por intermédio da linguagem. Como produzir sentido? Recordo-me, entre tantos outros que poderia citar, do bom e velho Deleuze: “a lógica do sentido”. Em que medida o sentido possui uma lógica? Platão, desde o Crátilo, sabe-se, questiona o sentido e o significado. Em poucas palavras: o que leva um elefante ser nomeado como tal? Por que um cavalo não poderia ser chamado de carneiro ou vice-versa? E desta forma percebe-se que a preocupação com o sentido das palavras sempre despertou as mais fascinantes discussões. Platão nos coloca dois caminhos para serem refletidos: os nomes podem ser signos convencionais ou poderiam, inclusive, pertencer à sua própria natureza. Isso somente para ficarmos num plano superficial. A história é muito e muito mais longa e complexa. Pensemos: será que todos os objetos (em seu sentido mais amplo) foram, realmente, frutos de meras nomeações convencionais? Será que não houve nomeações que buscaram arduamente relacionar, analogicamente, a coisa à palavra? Em que medida houve um esforço para tal? Em que medida as representações foram inventadas? E, fatalmente, penso em universos sígnicos propostos por Peirce! Creio, (e claro que não estou sozinha) que ele pode satisfazer, em grande parte, as minhas insatisfações. As tais das  incompletudes teóricas. O Universo é composto de signos. Todas as  linguagens são compostas de signos. Ocorre que nem todos os signos são iguais. Não posso comparar,  passivamente, em termos de linguagem, uma imagem com uma palavra qualquer. E neste contexto reside a possível genialidade de Peirce: o Universo é composto de signos que podem, perfeitamente, ser divididos em três categorias: ícones, índices e símbolos. O que seriam os ícones para Peirce? Ora, seriam aqueles signos que conseguem manter uma relação estreita de analogia com o objeto que pretendem significar. E nos dá belos exemplos: as imagens. Os índices como a própria nomenclatura nos indica seriam os signos que possuem uma relação física e material com os objetos que buscam representar, ou seja, se numa praia vemos pegadas da pata de uma ave, sabemos que por lá passou uma ave e assim por diante. Finalmente o símbolo. Para o pensador americano símbolos são as palavras em seu sentido mais convencional. Eu diria: em seu sentido mais ordinário.
Contudo, o que gostaria de evidenciar ( que não se traduz em nenhuma novidade espantosa) é que todas as linguagens, de certa forma, estão irmanadas. Gostaria de ressaltar que  para Peirce quando temos uma bela literatura, com alto grau de poeticidade, nada mais temos que ícones. Ora , qual o papel da Literatura, entre tantos outros? Linguagem. Os ícones na linguagem verbal buscam aproximar as palavras de seus objetos a serem representados. Todavia, isso não se dá somente na Literatura. Na Matemática as coisas não se passam diferente como a maioria acredita. Nas palavras de Peirce (2010, p. 66): “Quando, em álgebra, escrevemos equações uma sob a outra, numa disposição regular, particularmente quando usamos letras semelhantes para coeficientes correspondentes, a disposição obtida é um ícone. Um exemplo:


                        a     x   +  b    y   =   n
                           1              1              1

                     a      x   +  b   y    =   n
                          2            2               2



Isso é um ícone, pelo fato de fazer com que se assemelhem quantidades que mantêm relações análogas com o problema. Com efeito, toda equação algébrica, é um ícone, na medida em que exibe, através de signos algébricos (que em si mesmos não são ícones), as relações das quantidades em questão.”  Mas. Pensemos um pouco com Guimarães Rosa quando nos diz em Desenredo [2] que  Irlívia “era morena, mel e pão”. Que bela imagem! Que belo ícone. Que síntese! O ícone proposto pelo escritor mineiro nos remete, sem dúvidas, a cor meio que bronze, eu diria, bronzeado do mel. E, ainda, claro que o autor nos mostra que a mulher  tinha a doçura do mel e a gostosura do pão. E o pão, claro,  o alimento simbólico ( saciedade da fome). Com isso quero dizer que a aparente disparidade entre, no caso, a linguagem da Matemática e a linguagem da Literatura não existem! Os ícones, índices e símbolos proliferam ao nosso redor. Envolve-nos. Espanta-nos. E, muitas vezes, pouco temos percepção de tal dimensão de envolvimento. Por quê? Parafraseio Guimarães: porque, no fundo, o mundo é constituído de paradoxos. A vida é um profundo mistério porque paradoxal. A morte. A luta. Na verdade, dizia o excelente mestre da Literatura: a existência dos paradoxos se deve para aquilo que não temos palavras para exprimir. E o escritor mineiro não deixou a Matemática de lado, visto que para ele a Matemática era um paradoxo  que se materializava, inclusive, pelas fórmulas. Cada fórmula matemática poderia ser um paradoxo. E acrescento com muita segurança: todas as linguagens, em suas mais diversas dimensões são verdadeiros paradoxos!
Heidegger (2011) não deixou por menos a sua aguda investigação a respeito das linguagens [3]. Em sua célebre conversa (em alemão) com um pensador japonês os dois expuseram fragilidades e potencialidades de línguas diferentes. Ora, o japonês, o chinês e mais algumas línguas não ocidentais possuem uma gramática totalmente diferente da maioria das línguas ocidentais. São línguas em que os conceitos são pouco formulados. Lembremos, em especial, o chinês, mas também a língua japonesa. São línguas que possuem caracteres e ideogramas. Isso muda tudo visto que são muito mais icônicas. Enfim, quanto mais caminhamos para possíveis desvelamentos a respeito da estrutura das linguagens, em geral, parece que mais perguntas afloram e nos deixam perplexos ante a impotência de termos respostas conceituais. Se a linguagem traduz o pensamento, como pensar o pensamento? Enfim, me parece que o pensamento está condenado a nunca ser puro. Sempre mediado e sendo nesta medida... toda representação vai necessitar de um aprimoramento. 

Literatura e Matemática: a busca das verdades universais?


Dizem, na maioria das vezes, em praticamente todas as escalas do pensamento, que a linguagem das Ciências e da Literatura são completamente opostas. Ou totalmente sem a menor reconciliação. Áreas distintas: Literatura e Matemática. A Literatura estaria totalmente voltada para o mundo do impossíveis. Para os denominados universos ficcionais. Enquanto a Matemática, uma “ciência pura”, estaria às voltas com verdades únicas e estabelecidas com a firme intencionalidade de possuir um caráter universal.
Por um outro lado temos a imagem de um escritor ( seja somente poeta ou não) que, via de regra, representa um ser com rosto de meio louco. Fora da real. Sonhador. Trovador. Angustiado. Fascinado.
 E de outro lado a figura de um cientista de qualquer área. Sempre preocupado com cálculos e mais cálculos. Muitas vezes compenetrado. Misturam-se a tais imagens máquinas e laboratórios. Vapores que se diluem ao sabor de madrugadas gélidas, visto que o cientista, via de regra, quase nunca se lembra de relógios, muito menos dos ciclos naturais como, por exemplo, dia e noite. Primavera, verão, outono e inverno. O cientista é um ser concentrado. Absorto. Introspectivo. Sério. Racional. Denominado o senhor das lógicas, muitas vezes, ilógicas.
O escritor inventa mentiras e vive delas: cavalos voadores, carneiros com penas de pinguim, bois com bicos de galináceos, galos com barbatanas, pássaros que falam, gatos que voam sem asas, cavalos verdes, avestruzes espiralados. Aliás, o melhor: as nove Musas, filhas de Mnemósine, prolongadoras da memória, jamais largam os escritores, por esta razão, em especial,  as palavras e a imaginação brotam como formiguinhas ágeis e minúsculas no papel ou pululam nos computadores modernos do escritores, quando não, nas folhas em branco dos escritores. Uma verdadeira maravilha. Facilidades mil sem precedentes. O escritor possui o “dom da linguagem”...o “dom da imaginação”... “o dom da preguiça”... “o dom da contemplação”. Vive infeliz para, geralmente, causar impactos de performances! E, via de regra,  sempre desgrenhado. Cabelos não aparados. Barbas sempre à espera de navalhas desafiadoramente afiadas.
O cientista ou matemático vive da racionalidade pura. Lembremos: se  conseguimos fazer as quatro operações, assim como cálculos e mais cálculos, não necessitamos da experiência. Para o matemático basta o raciocínio. Nada mais. E nos dias atuais existem as máquinas que calculam tudo. Para que serve a Matemática se as máquinas já fazem tudo? Hoje em dia tudo está facilitado para os matemáticos, afinal, a cada dia surge uma máquina, diga-se de passagem, do nada, e que faz operações cada vez mais complexas. O matemático quase nada tem a 'pensar' na contemporaneidade.
O escritor está em busca de sonhos mentirosos.  O matemático das verdades universais. Em que medida tudo isso se materializa? O que dizer, por exemplo, de Goethe, o grande escritor, sensível, que mantinha um verdadeiro laboratório em sua casa? Cultivava orquídeas e outras plantas para observá-las e sistematizar teorias de cunho científico? [4] O que dizer de sua famosa obra a respeito das cores? Diga-se de passagem uma obra que, em sua época, contradisse Newton (um físico já consagrado pela Academia) e a teoria das cores de Goethe somente foi legitimada no início do século XX. O que dizer de um médico, como Guimarães Rosa? Será que sua experiência como médico não o ajudou a compor sua obra? Claro que sim. A experiência tem tudo a ver com as grandes obras. Sabe-se disso. O que seria de um escritor sem experiência? E, acima de qualquer coisa: o que seria de um escritor sem o domínio da linguagem? De onde poderiam brotar as palavras e, acima de tudo, o deslocamento da linguagem? O que é literatura, sobretudo, se não um grande deslocamento de significados? Mas como proceder a tal deslocamento se não estar plenamente de domínio de um grande repertório? E Pedro Nava? A medicina e seu exercício foram fundamentais para suas grandes obras memorialísticas. E de repente  nos deparamos com certos textos de Fernando Pessoa, como por exemplo: “Quase como queria Spinoza, dum lado está o pensamento, do outro a matéria. Qualquer conceito matemático, como o que uma quantidade dividida por zero dá infinito, indica claramente que quantidade não é divisível, porquanto o divisível por qualquer coisa não pode nunca dar uma coisa maior que ela; e supondo que zero não divide realmente, nesse caso não há divisão. X dividido por infinito dá zero indica claramente que X não é divisível por infinito, se tal divisão dá zero, isto é, nada, pois que uma coisa divisível por outra dá qualquer coisa; ou então X não é divisível por nada. A matemática é uma ciência só dentro de si própria. Não é aplicável à realidade.” (Fernando Pessoa, 1994, p.19).
Não podemos afirmar que os postulados propostos pelo escritor português vieram de Musas. Naturalmente (e ele jamais omitiu isso) são frutos de estudos sistemáticos de Matemática e de outras ciências.
E o matemático? Será que não possui senso contemplativo atribuído aos escritores e artistas? Em que medida o pensamento quando materializado por equações algébricas não possui elementos de sensibilidade e percepção? A intuição é um constitutivo do raciocínio matemático que atua de maneira determinante. Sabe-se disso. O pensamento matemático admite e exige escolhas para que se trilhem resultados. Esperados ou não. A Matemática pode surpreender. Muito mais  do que um rio que seca e, de repente, mostra um passado esquecido (barcos enferrujados, cacos de vidros coloridos, objetos obscurecidos em suas formas originais).
Como poderia um físico ter escrito o seguinte fragmento? “O tempo físico é muitas vezes apresentado como uma abstração, como uma realidade etérea, inacessível, impalpável. Este ponto de vista é exagerado. Existe uma experiência – propriamente metafísica – do tempo físico que é a do tédio: quando nada acontece, quando nada se anuncia, quando nada se passa, vivenciamos a existência de um tempo esvaziado, despido de suas transfigurações e dos seus cambiantes, investido de autonomia, um tempo sem elasticidade, que parece ter-se dissociado do devir e da mudança. É o tempo posto a nu, o tempo físico tal como foi pela primeira vez definido por Newton.
Quando nos entediamos? Quando o tempo parece vazio ou estéril: porque nada sucede, porque não temos nada que fazer ou porque não conseguimos interessar-nos pelo que fizemos. Entediamo-nos, portanto, quando estamos condenados a uma espera da qual não podemos reduzir a duração. Mas nós também nos entediamos, muito frequentemente, quando já nada mais temos a esperar. O tempo despoja-se então de tudo aquilo que normalmente a ele se apega.” (Étienne Klein, 2007, p. 45).
Em que medida o grande físico e cientista não precisou imaginar, contemplar e sonhar? Em que medida sua sensibilidade não foi aguçada para fazer tal reflexão a respeito de um tempo cheio de tédio? Apenas as fórmulas, isoladamente, não conseguiriam materializar as belas imagens de Klein.


Borges: jardins de áreas de conhecimentos que se bifurcam

Por que Borges desconcerta? Eis um fragmento textual que pode  nos intrigar: “A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível. A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitentas letras de cor preta. (Borges, 1999, p. 517) Ponho-me a acompanhar, matematicamente, o autor. Começo, quase de forma automática, a fazer cálculos e mais cálculos, imaginando que meus conhecimentos de Matemática (muito fracos, lentos, lacunares) poderão ajudar na compreensão do texto. Inclusive me valho de uma máquina de somar e obtenho:

  1. 05 estantes x 32 livros = 160 livros
  2. 160 livros x 410 páginas = 65 600 páginas
  3. 65 600 páginas x 40 linhas = 2 624 000 linhas
  4. 2 624 000 linhas x 80 letras de cor preta = 2 099 920 000

Por um outro lado, vemos, concretamente, por meio da fisicabilidade da linguagem, o quanto Matemática e Literatura possuem mais afinidades do que se possa imaginar. Eu imaginei que o autor queria me testar e fiz os cálculos. Mas em se tratando de Borges e suas eternas sutilezas, é claro que foi apenas minha  imaginação (misturada aos traumas de meu tempo em que a Matemática era uma verdadeira ameaça aos estudantes) que logo fui fazendo contas e mais contas e mais contas! Imaginei como posso sonhar à vontade com a linguagem  matemática, ora!
Mais adiante, ainda com Borges, um outro texto intrigante a respeito de temporalidades:
O tempo propõe outras dificuldades. Uma, talvez a maior, a de sincronizar o tempo individual de cada pessoa com o tempo geral das matemáticas, foi fartamente apregoada pelo recente alarme relativista, e todos recordam – ou lembram tê-la recordado até bem pouco tempo. (Eu a retomo assim, deformando-a: Se o tempo é um processo mental, como podem milhares de homens, ou mesmo dois homens diferentes, compartilhá-lo?) Outra é destinada pelos eleatas a refutar o movimento. Pode ser compreendida nestas palavras: ‘É impossível que em oitocentos anos de tempo transcorra um prazo de quatorze minutos, porque é obrigatório que antes tenham passado sete, e antes de sete, três minutos e meio, e antes de três e meio, um minuto e três quartos, e assim infinitamente, de modo que os quatorze minutos nunca se completam.’ Russell rebate este argumento, afirmando a realidade e mesmo a vulgaridade dos números infinitos que, entretanto, se dão de uma só vez por definição, não como termo ‘final’ de um processo enumerativo sem fim. Esses algarismos anormais de Russell são boa antecipação da eternidade, que tampouco se deixa definir pela enumeração de suas partes.” (Borges, 1999, 388)
Borges sempre desconcerta com sua linguagem. Mostra-nos que a linguagem habita um universo uno. Mostra, como poucos que desarticularam a linguagem de seu lugar comum, que as linguagens, tanto a da Literatura  como a da Matemática podem caminhar juntas. Paralelas. E mais: tangenciam-se. Interseccionam-se. Somam-se. Dividem-se. Multiplicam-se.

Das Inconclusões




As linguagens carregam, por si mesmas, talvez, os maiores mistérios aos quais o homem, busca, de alguma maneira sondar. As questões ligadas aos sentidos, aos conceitos, ao sensível e ao raciocínio, lógico ou não, são verdadeiros paradoxos  em andamento por parte de professores, cientistas, escritores, pesquisadores.  A pergunta sempre reaparece: em que escala, digamos assim, o pensamento precisa da linguagem para se tornar uma realidade física? A linguagem verbal necessita de outras linguagens para que, efetivamente, tenha domínio total de um desenvolvimento intelectual? Os conceitos, em todas as esferas, podem ser compreendidos por uma linguagem não verbal? Tudo isso, ainda, são questões propostas e inconclusivas. No entanto, revelam, sob minha ótica, o quanto todas as linguagens são igualmente importantes. O quanto a linguagem da Matemática precisa da linguagem literária e  vice-versa. O ideal, sabe-se disso, é penetrar, agudamente,  nas teias das  linguagens. No fundo, todas as linguagens estão em busca das sensibilidades (verdadeiras) universais. Todas as linguagens correm para os mesmos mares, embora por estratos diferentes.


BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, Ana Maria Haddad. Tempo-Memória. São Paulo: Arké Editora, 2007.
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas Volume I. São Paulo: Editora Globo, 1999.
GOETHE, Johann Wolfgang von. A metamorfose das plantas. Tradução de Maria Filomena Molder. Porto: Imprensa Nacional  Casa da Moeda, 1993.
_________________________. Ensaios Científicos: uma metodologia para o estudo da natureza. Tradução de Jacira Cardoso. São Paulo: Barany Editora, Ad Verbum Editorial, 2012.
HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2011.
KLEIN, Étienne. O Tempo de Galileu a Einstein. Tradução de Eduardo de Santos. Lisboa: Caleidoscópio, Edição e Artes Gráficas, SA, 2007.
PEIRCE, S. Charles. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
PESSOA, Fernando. Textos Filosóficos. Lisboa: Ática, S.A., 1994.





[1] Vale a pena uma imagem de  Yorgos Seferis: “Vuelvo de la calle: mi cuarto. Conozco la cama que me espera, y el despertar de mañana, y el trabajo cotidiano. Fuera, la noche. Dulce y las calles húmedas. Mi espíritu libre, con las ventanas abiertas de par en par. Las amarguras: la muerte ineludible, amores que han de terminar, la miséria de la condición humana, circulando por las rendijas como una brisa primaveral.” 
[2] O conto Desenredo de Guimarães é simplesmente fantástico. O enredo gira em torno de uma mulher que é casada e se apaixona por  Jó Joaquim. Contudo, ela possui dois amantes, não somente Jó Joaquim. O marido pega a mulher com o  outro amante. Mata-o. Posteriormente, o marido morre e Jó Joaquim casa-se com Irlívia. Novamente é traído. Uma bela história em que a forma, mais do que nunca, sobrepõe-se ao conteúdo, bem no estilo de Guimarães.

[3] Pergunta Heidegger ao japonês: “O que entende o mundo japonês por linguagem? Ou com mais cuidado ainda: os senhores têm em sua língua uma palavra para linguagem? Caso não a tenham, como é que os senhores experimentam o que, entre nós, se chama de linguagem? Resposta: “Esta é uma pergunta que ninguém ainda me tinha feito. Parece-me também que o mundo japonês não presta atenção para o que o senhor acaba de perguntar. Por isso, devo pedir licença para alguns momentos de reflexão.
(O japonês fecha os olhos, abaixa a cabeça e mergulha em longa meditação. Espero que meu visitante retome a conversa.)
Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala.” (2011, p. 91)

[4] “Os cotilédones são, em geral, duplos, e aqui temos de fazer uma observação, que no futuro há-de parecer ainda mais importante. A saber, as folhas destes primeiros nós são muitas vezes aos pares, mesmo quando as folhas subsequentes do caule são alternadas; está à vista aqui, portanto, uma aproximação e união das partes que a Natureza futuramente separa e afasta uma das outras. O caso é ainda mais notável, quando os cotilédones aparecem como muitas folhinhas reunidas em volta de um eixo, e o caule, desenvolvendo-se a pouco e pouco a partir do centro, produz as folhas subsequentes umas atrás das outras em torno de si próprio, caso que se pode observar com muita exatidão no crescimento das espécies de pinus. Aqui, forma-se uma coroa de agulhas quase como que um cálice, e mais à frente, em fenômenos semelhantes, havemos de lembrar-nos do presente caso.” (Goethe, 1993, p. 37) E mais: “Um ser orgânico é tão multifacetado em seu exterior, tão diversificado e inesgotável em seu interior, que não se consegue escolher pontos de vista suficientes para observá-lo, desenvolver suficiente órgãos próprios para desmembrá-lo sem o matar. Eu tenho procurado aplicar às naturezas orgânicas a ideia de que a beleza é perfeição com liberdade.” (Goethe, 2012, p.69).

Observação: Este texto foi publicado na Revista Tempo Brasileiro de no. 200/2015.