sábado, 18 de janeiro de 2014



Os Garranchos de Graciliano Ramos: um convite à leitura em busca de linguagens


Ana Maria Haddad Baptista

Leituras & Fantasias



Um dos grandes períodos de produtividade da literatura brasileira, sem dúvida alguma, foi aquele que compreendeu dos anos trinta até, mais ou menos, os anos  sessenta. Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e outros grandes nomes fizeram literatura de primeira grandeza. Materializaram essências poéticas inesquecíveis. Universais.
Os Garranchos, Graciliano Ramos, Editora Record, publicado em 2012, reúne textos (muitos inéditos), criteriosamente organizados por Thiago Mio Salla. Graciliano Ramos é, de um modo geral, injusta e imerecidamente denominado  “um autor regionalista” no pior sentido do conceito, diga-se de passagem. O autor alagoano, conforme se sabe, conseguiu fazer uma literatura que passa muito distante de uma “literatura regional”. São Bernardo, Angústia, Vidas Secas, Memórias do Cárcere, por exempo, são obras que nada possuem de “regionalistas”.  Todas estas obras tratam, em especial, de dramas universais da humanidade. Graciliano nunca se repete. Dificilmente quem lê Angústia diz que este mesmo autor escreveu Vidas Secas ou Memórias do Cárcere. Cada obra possui uma estrutura diferente. Uma forma singular. Uma proposta literária, de linguagem, que almeja objetivos diferentes. O experimentalismo, como diria Haroldo de Campos, levado enquanto um projeto de arte, de literatura, a sério.

Cavalos Desmemoriados em busca de Memórias Ancestrais


Garranchos é um livro que atualiza as concepções  a respeito de Graciliano Ramos. Um homem que nunca se dobrou a qualquer sistema. Jamais se “vendeu”,  mesmo passando pelas piores situações econômicas. Pessimista, emburrado, cismado, fez da literatura (entre outras coisas) um meio de atingir os grandes impérios de poder e pretensos literatos que afetavam sua época, como por exemplo, no seguinte trecho: “Seremos com efeito literatos? Este nome encerrava ainda há pouco um sentido prejudicial, herança provável do tempo em que arte era indício da boêmia e sujeira. Escrevemos efetivamente, mas desconfiados, no íntimo desgostosos com um gênero de trabalho que não pode ser profissão. A nossa mercadoria vai sem verniz para o mercado e não nos desperta, posta em circulação, nenhum entusiasmo. Somos diletantes. Receamos que nos discutam, que nos analisem, que nos exibam os aleijões. Se eles começarem a ser indicados, multiplicar-se-ão, ocuparão toda a obra. A referência que nos contenta é o elogio bem derramado. Não faz mal que seja idiota: precisamos vê-lo, repeti-lo, convencer-nos de que realizamos qualquer coisa notável.”
Garranchos lembra, em quase todas as suas páginas, o estilo ácido e picante de Graciliano. Na verdade, suas contribuições críticas de literatura e  aspectos políticos, culturais  que faziam parte do contexto de sua época. Entretanto, apesar de tantos anos passados: o estilo elegante, econômico, telegráfico de Graciliano permanence como, ainda, uma grande aula do “bem escrever”.
Ler esta obra é um convite a lições de ternura, ainda que distraída, a lições de dignidade, de uma gramática que sabe ser rigorosa sem ser enjoativa ou classificatória. Ler Graciliano Ramos se aplica ao que ele afirmou a respeito de um pintor famoso: “Homem estranho, Portinari, homem de enorme exigência com a sua criação, indiferente ao gosto dos outros, capaz de gastar anos enriquecendo uma tela, descobrindo hoje um pormenor razoável, suprimindo-o amanhã, severo, impiedoso.”

Obs: Grande parte deste texto já foi publicado por outros canais. 






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