Néctar de Letras e Imagens: Do tempo universal
Ana Maria Haddad Baptista
Tempos Indefinidos/Portugal |
O
tempo considerado como uma categoria absoluta diz respeito a uma perspectiva
que durante muitos séculos perdurou. O que se pode entender por tempo absoluto?
Uma categoria universal. O nosso universo seria regido por um único tempo que
reinaria absoluto, independente do espaço, em todos os níveis. Devemos imaginar
que haveria um grande relógio universal que regularia o tempo em todos os
cantos do universo. “A primeira matematização do tempo físico, anunciada por
Galileu e formalizada por Newton, consistiu em supor que este não tem mais que
uma dimensão. O argumento era simples: basta um número para datar um
acontecimento físico. Há, portanto, apenas um tempo de cada vez.”[1] O
tempo absoluto, entre tantas outras possibilidades, aponta para uma
representação de continuidade. Veja-se que tal concepção é bastante diferente
de um tempo cíclico, como concebia Platão. Não existe espaço para as lacunas, ou seja, não existem
acontecimentos ou absolutamente nada que possa ocorrer fora das linhas da
marcação de tempo. Nas palavras de Étienne Klein :[2]
Uma linha, com
efeito, não pode ser compreendida sob a forma de linha senão por um expectador
em situação de exterioridade. Ora, qualquer ‘levitação’ acima do tempo é
impossível: nunca nos podemos retirar do presente para observarmos a sua
continuidade com o passado ou com o futuro. Então, como diabo podemos falar ‘de uma forma do tempo’, se isso
pressupõe um olhar exterior sobre o tempo que, precisamente, nós não temos?
Seremos nós como que peixes misteriosamente capazes de descrever o aspecto
exterior do aquário?
Presente/Passado/Futuro |
Um dos elementos paradoxais do tempo é justamente esse. Como sair do tempo?
O tempo é uma teia inquebrável. Tal fato deve ser considerado em vários níveis:
primeiro, o da memória. Não há como nos
descartarmos da memória. Grandes
pensadores já disseram que não adianta nada nos queixarmos do passado, ele
apenas riria de nós! A memória do que foi e o que foi, não importa, não volta. O passado , nossa
memória, na verdade, a nossa identidade estão grudados em nós tal qual uma cola
que nunca se dissolve, tal qual uma goma que nunca se desprende. Uma prisão
perpétua. Logo, como analisarmos o tempo e a memória fora delas? Não há
possibilidade de exterioridade, segundo tão bem afirma Klein.
Desta forma, sempre que olhamos para o passado será sob a ótica do
presente. Uma condenação da humanidade. Justamente porque não temos como sair
do tempo e muito menos pularmos para um acontecimento passado tal como ele
ocorreu. Como já foi dito a olhada “para trás” sempre será a partir do
presente. Com tal perspectiva nunca conseguimos a captação total do passado em
si mesmo. Tal fato não implica em afirmar de que não seja possível um “passado
em si”, como teria afirmado Bergson.
Para Newton a força resultava em
aceleração. Além disso, Newton considerou que o movimento dos corpos celestes
era regido por um sistema de forças comprovadas por resultados matemáticos
simples. Sabe-se ter sido concluído que o sistema da mecânica newtoniana
poderia controlar o Universo, tal como um fino tecido onde todos os fios se
cruzariam de maneira controlada. Não resta a menor dúvida de que um Universo
determinístico, previsível e cheio de certezas não deixa de ser altamente
atraente e sedutor em diversos níveis. Tal posição invoca controle, submissão e
outros conceitos análogos.Um universo previsível e submetido às leis que se
repetiriam de maneira idêntica e regular.
Tempos Reflexos/Irlanda |
Obs: Grande parte deste texto foi publicado no livro Tempo-Memória, Ana Maria Haddad Baptista/ Editora Arké/São Paulo.
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