sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Néctar de Letras e Imagens: Do tempo-memória cíclico

Ana Maria Haddad Baptista


Natureza Morta/Brasil

            O tempo não pode ser concebido de uma forma única, conforme já foi mencionado em diversos textos de minha autoria. Um dos conceitos mais difundidos, inclusive, até os dias de hoje, é justamente, o caráter cíclico de tempo-memória, em diversos níveis, ou seja, o cíclico que se repete enquanto fenômeno da natureza e deixa espaço para o imprevisível e o cíclico fechado em si mesmo, sem espaço para a novidade.
            A concepção de tempo que predominava na Antiguidade Grega era a de um tempo cíclico. É famosa a abordagem de Platão a respeito do tempo:  “Οταν  ο πατέρας
του σύμπαντος είδε το δημισύργημά  του  να  κινείται  και  να  ζει – ένας  ναός των  αιωνίων  θεών  -  ευχαριστηθηκε  και, μέσα  στη  χαρά  του, σκέφτηκε το κάνει  ακόμη  
πιο όμοιο με το  υπόδειγμα.” [1] E, nessa perspectiva, Platão continua declarando que o tempo foi composto por “uma imagem móbil da eternidade” [2]. Prosseguindo, em seu famoso diálogo em referência, o filósofo grego destaca que o tempo teria nascido juntamente com o céu, juntamente, com a lua e outros astros. Inúmeras leituras e interpretações, convergentes e discordantes já foram feitas a respeito do Timeu em relação ao tempo e ao nascimento do mesmo.

Natureza Verde/ Brasil

Na esteira de Deleuze, o tempo concebido por Platão é subordinado ao movimento dos astros.  Conclui, o filósofo francês, que o tempo, nessa época, é um tempo percebido enquanto uma categoria exterior ao homem. Outro ponto importante a ser destacado, evidentemente, é a natureza cíclica do tempo.  O Timeu é, antes de mais nada, uma visão cosmológica importante e que deve ser considerada. Declara Platão:

Em resumo: quando cada um dos seres que deviam cooperar na criação do tempo iniciou o movimento apropriado e, como corpos unidos por laços animados, adquiriram vida e aprenderam as respectivas tarefas, entraram de deslocar-se na órbita do Outro, que é oblíqua e corta a do Mesmo e por ele é dominado, alguns movimentando-se em círculos maiores, outros em  menores, com maior velocidade os dos círculos menores e mais lentamente os dos maiores. (...) Assim e por tal razão nasceram o dia e a noite, que completam  revolução do círculo único e o mais inteligente. (...) No entanto, é fácil compreender que o número perfeito do tempo enche o ano perfeito, no momento em que as oito revoluções, com suas diferentes velocidades, completaram juntas  seu curso e voltaram ao ponto de partida, calculadas aquelas pelo círculo do Mesmo na sua marcha uniforme.” [3]

            Depreende-se do texto, entre tantas outras questões que poderiam ser discutidas e interpretadas, além de outros textos de Platão no que se refere ao assunto,  uma concepção cíclica de natureza e de tempo. As coisas vão e vêm. Circularidade. Previsibilidade.

Natureza Triste/Portugal

            Um outro ponto importante no Timeu e que, também, diz respeito ao tempo, seria o famoso mito da Atlântida. Por si só, independente de qualquer outra coisa, Atlândida remete a uma dimensão de temporalidade distinta. Remete a um tempo passado, imaginário ou não, se levarmos em consideração, aos olhos da contemporaneidade, a astúcia de Platão. Afinal, Atlântida, existiu ou não? Não faltaram dezenas de pessoas que foram, de maneira incansável, atrás da ilha descrita  pelo filósofo grego e até hoje há sérias dúvidas a respeito do assunto.[4] Atlândida representaria, entre tantas outras coisas, um tempo perdido, passado, de uma etapa da humanidade. [5] Talvez tal etapa tenha sido perdida para sempre, irrecuperável, inclusive, em termos de memória.
            Concluindo: é inegável a simples constatação de que o tempo faz determinados acontecimentos repetirem-se, logo, em certos aspectos o tempo possui ritmos cíclicos. Nas palavras de Klein [6]:

Este reflexo chega-nos de longe. Durante séculos, foi a forma do círculo que reinou, imperial, sobre o tempo. Passando para a forma geométrica mais acabada, a que não tem princípio nem fim, cuja regularidade é tão completa que ninguém poderia aumentá-la, o círculo encarna a figura da perfeição. Contemplar uma forma redonda não proporciona certo prazer visual? E depois, para além do mais, um círculo roda! Daí a fascinação que exerce sobre os espíritos. Esta magia vai desde o Sol até a mais pequena moeda, passando pela bola, pela tarde, pela bola de sabão, pelas curvas de uma mulher.
             
O dia após a noite, a noite após o dia, as estações do ano e todas os acontecimentos de cada estação do ano são repetitivos e, sabe-se, voltam a acontecer. O tempo cíclico está muito mais presente em nossas vidas do que, talvez, possamos imaginar.


Natureza/Monotonia/Imagem de Outono

Vejamos o poema do poeta grego Konstantinos Kavafis (1863-1933)

Monotonia

A um dia monótono outro
monótono, idêntico, segue. Ocorrerão
as mesmas coisas; essas novamente ocorrerão-
os instantes, semelhantes, encontram-nos e deixam-nos.

Um mês passa e traz outro mês.
Essas coisas que chegam facilmente se presumem:
são aquelas de ontem, as enfadonhas.
E o amanhã acaba por já não parecer um amanhã. [7]

O poema em questão, dentre outras leituras possíveis, mostra a monotonia de um dia após o outro, o que implica, inclusive, na periodicidade, na questão cíclica da temporalidade.
Especialmente a idéia de um tempo irreversível, em parte, imposta pelos ideais do progresso parece predominar e excluir outras categorias importantes de tempo-memória que deveriam ser consideradas. O tempo cíclico é uma realidade.
Segundo Paolo Rossi [8] o tempo possui uma direção tal como uma flecha. A visão de tempo linear exclui as repetições. Os eventos, nessa medida, são considerados individuais, irrepetíveis e cada coisa se coloca num ponto  determinado da flecha. E, continua  o autor, a metáfora da flecha se mistura de uma forma complicada com a idéia de um tempo cíclico. Desta forma,  Rossi enfatiza que certas dicotomias são perigosas . Um dos motivos pelos quais se reforça o tempo enquanto uma flecha que caminha para frente  seria  uma intenção de superioridade em relação ao passado, ao lado de uma confiança no devir.


Obs: Grande parte deste texto foi publicado no livro, de minha autoria,  Introdução à Cultura Grega/Arte-Livros Editora/São Paulo.
















[1] ΤΙΜΑΙΟΣ, p.247. Atualizado para o grego moderno, diretamente do grego clássico, por Basiles Kálfas. Tradução para o português, diretamente do grego clássico, de Carlos Alberto Nunes.        “Quando o pai percebeu vivo e em movimento o mundo que ele havia gerado à semelhança dos deuses eternos, regozijou-se, e na sua alegria determinou deixá-lo ainda mais parecido com seu modelo.”  Timeu-Crítias-O Segundo Alcebíades-Hípias Menor,  p. 73
[2] Timeu- Crítias-O Segundo Alcebíades-Hípias Menor, p. 73.
[3] O  Tempo de Galileu a Einstein,p. 76

[4] Para quem deseja um aprofundamento a respeito do assunto indicamos a excelente e abrangente abordagem de Pierre Vidal-Naquet em L’Atlantide: petite histoire d’um mythe platonicien
[5] O Tempo de Galileu a Einstein, p. 61.
[6] Idem,  p. 55.
[7] Poemas de K.Kavafis, p. 79. Traduzido diretamente do grego por Ísis Borges da Fonseca.
[8] El pasado, la memoria, el olvido, p. 121.

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