quinta-feira, 21 de novembro de 2013


Néctar de Letras e Imagens:

New York: consumo, escravidão e poesia

Ana Maria Haddad Baptista


Times Square

5a. Avenida

Times Square

New York desencanta por todos os processos, verdadeiramente, desumanos que por lá encontramos. Cidade de excessos. Excesso de comida. De barulho. De lixo. De luxo. Todas as raças e credos confluem numa disparada sem controle. Cada um para si. De si para si. Sempre. O tempo por lá possui uma outra marcação. Os relógios, de longe, dispararam. E todos eles estão em ritmos, realmente, alucinantes. 
De qualquer forma sempre há um espaço para a poesia. Ouçamos o grande poeta contemporâneo Adonis.
Adonis é o pseudônimo de Ali Ahmad Said Esber,  um dos  maiores poetas árabes de todos os tempos. Quem foi Adonis? De  acordo com os registros  mitológicos, largamente divulgados na tradição grega (inclusive) nasceu de uma árvore. Uma criança que nasceu tão bela que foi duramente disputada por Afrodite e Perséfone.
O poeta árabe traz para nós uma poesia autêntica e que libera toda a potencialidade de uma escrita que  materializa sensibilidade, crítica mordaz ; não a crítica panfletária e direta, mas aquela inundada por uma onda de ironias que invadem o nosso universo, agudamente debruçada sobre os poderes e rivalidades , infelizmente construídos, entre Oriente e Ocidente.
A memória do poeta evoca e transforma suas experiências em versos com imagens, em todos os graus. Transbordam em sua poesia a exigência  de leitores disponíveis a um ardoroso exercício de pensamento. Adonis não concede, como, por exemplo, no seguinte trecho: NOVA YORK- WALL STREET – RUA 125- QUINTA AVENIDA/ Fantasma medúseo se ergue dos ombros./ Mercado de escravos de todo tipo. /Pessoas vivem como plantas em jardins de vidro./Miseráveis invisíveis interpenetram-se como o pó no tecido do espaço- espiral de vítimas./O sol é funeral,/o dia, tambor negro.
Desde que o mundo é mundo …podemos nos relacionar com o que quer que seja de diversas formas e maneiras. Podemos nos relacionar com o rio para pescar. Para catar pedregulhos. Para andar de barquetas. Para andar por suas doces águas declaradamente traiçoeiras. Para apenas admirá-lo. Para adocicar nossos pés. Adonis mostra a sua relação com a famosa Quinta Avenida de Nova York, que, diga-se de passagem, contradiz a maioria do planeta. Desgraçadamente a Quinta Avenida é objeto e alvo mundial de admiração. O poeta árabe  alerta os leitores para uma outra leitura da famosa avenida. A leitura de um escritor  sagaz, agudo e que não se deixa seduzir por uma visão meramente consumista de um país declaradamente imperialista que se sustenta, como se sabe, com a submissão e escravidão de seu próprio povo e  fragilizados do planeta.
Outro destaque do livro de Adonis é o seu poema Guia para viajar pelas florestas do sentido. O título, por si , corresponde a uma imagem fascinante do que virá depois. Nas palavras do poeta: O que é a melancolia?/anoitecer/no espaço do corpo./O que é a sorte?/dado/na mão do tempo./O que é sonho?/faminto que não para/de bater à porta da realidade./ O que é a tristeza?/ palavra descartada por engano/ pelo dicionário da alegria./O que é a surpresa?/pássaro/ que escapou da gaiola da realidade./
Pergunto: o que é Adonis? Poeta que consegue captar, com sensibilidade, os pré individuais que pululam ao nosso redor, mas como poucos consegue dar visibilidade e flechar leitores para outras perspectivas de uma existência que continuamente requer  redefinições, novos conceitos, verticalizações subjetivas para caminhos de criatividade que nos darão armas para corroer a tristeza, a injustiça, a desigualdade e deslealdade que nos circundam. Poesia de boa qualidade é vitamina que contamina. Vivam as palavras!



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