Néctar de Letras e Imagens:
New York: consumo, escravidão e poesia
Ana Maria Haddad Baptista
New York desencanta por todos os processos, verdadeiramente, desumanos que por lá encontramos. Cidade de excessos. Excesso de comida. De barulho. De lixo. De luxo. Todas as raças e credos confluem numa disparada sem controle. Cada um para si. De si para si. Sempre. O tempo por lá possui uma outra marcação. Os relógios, de longe, dispararam. E todos eles estão em ritmos, realmente, alucinantes.
De qualquer forma sempre há um espaço para a poesia. Ouçamos o grande poeta contemporâneo Adonis.
Adonis é o pseudônimo de Ali Ahmad Said
Esber, um dos maiores poetas árabes de todos os tempos. Quem
foi Adonis? De acordo com os registros mitológicos, largamente divulgados na
tradição grega (inclusive) nasceu de uma árvore. Uma criança que nasceu tão
bela que foi duramente disputada por Afrodite e Perséfone.
O poeta árabe traz para nós uma poesia
autêntica e que libera toda a potencialidade de uma escrita que materializa sensibilidade, crítica mordaz ; não
a crítica panfletária e direta, mas aquela inundada por uma onda de ironias que
invadem o nosso universo, agudamente debruçada sobre os poderes e rivalidades ,
infelizmente construídos, entre Oriente e Ocidente.
A memória do poeta evoca e transforma suas
experiências em versos com imagens, em todos os graus. Transbordam em sua
poesia a exigência de leitores
disponíveis a um ardoroso exercício de pensamento. Adonis não concede, como, por
exemplo, no seguinte trecho: NOVA YORK-
WALL STREET – RUA 125- QUINTA
AVENIDA/ Fantasma medúseo se ergue dos ombros./ Mercado de escravos de todo
tipo. /Pessoas vivem como plantas em jardins de vidro./Miseráveis invisíveis
interpenetram-se como o pó no tecido do espaço- espiral de vítimas./O sol é
funeral,/o dia, tambor negro.
Desde que o mundo é mundo …podemos nos
relacionar com o que quer que seja de diversas formas e maneiras. Podemos nos
relacionar com o rio para pescar. Para catar pedregulhos. Para andar de
barquetas. Para andar por suas doces águas declaradamente traiçoeiras. Para
apenas admirá-lo. Para adocicar nossos pés. Adonis mostra a sua relação com a
famosa Quinta Avenida de Nova York, que, diga-se de passagem, contradiz a
maioria do planeta. Desgraçadamente a Quinta Avenida é objeto e alvo mundial de
admiração. O poeta árabe alerta os
leitores para uma outra leitura da famosa avenida. A leitura de um escritor sagaz, agudo e que não se deixa seduzir por
uma visão meramente consumista de um país declaradamente imperialista que se
sustenta, como se sabe, com a submissão e escravidão de seu próprio povo e fragilizados do planeta.
Outro destaque do livro de Adonis é o seu
poema Guia para viajar pelas florestas do sentido. O título, por si , corresponde
a uma imagem fascinante do que virá depois. Nas palavras do poeta: O que é a melancolia?/anoitecer/no espaço do
corpo./O que é a sorte?/dado/na mão do
tempo./O que é sonho?/faminto que não para/de bater à porta da realidade./ O
que é a tristeza?/ palavra descartada por engano/ pelo dicionário da alegria./O
que é a surpresa?/pássaro/ que escapou da gaiola da realidade./
Pergunto: o que é Adonis? Poeta que consegue
captar, com sensibilidade, os pré individuais que pululam ao nosso redor, mas
como poucos consegue dar visibilidade e flechar leitores para outras
perspectivas de uma existência que continuamente requer redefinições, novos conceitos,
verticalizações subjetivas para caminhos de criatividade que nos darão armas
para corroer a tristeza, a injustiça, a desigualdade e deslealdade que nos
circundam. Poesia de boa qualidade é vitamina que contamina. Vivam as palavras!
Nenhum comentário:
Postar um comentário