Néctar de Letras e Imagens: Cora Coralina
Cora Coralina/Rose Marie Silva Haddad
Cora Coralina
Ana Maria Haddad Baptista
O que leva um escritor,
artista, cientista ou o bom pensador
a se tornar um grande conhecido? E, também, o outro lado da moeda: o que leva
um grande artista, cientista, grande pensador a permanecer, um vida inteira, no
puro anonimato? Alguns, em vida, desconhecidos, por alguma razão, ainda são
reconhecidos depois de virarem puro pó. Certamente muitos homens e mulheres
morreram com livros, ideias e conceitos originais que jamais a humanidade se
dará conta. Meu grande Bandeira, permita, mais uma vez: estrelas da vida
inteira que nunca puderam tornar público o seu brilho intenso…pena para o
mundo, pena para a humanidade. Queiramos ou não sabemos que o fato é verdadeiro
e, sobretudo, doloroso.
Cora Coralina ou Ana Lins dos
Guimarães Peixoto Brêtas (1889-1985) quase passa despercebida não fosse o
brilhantismo habitual de Carlos Drummond de Andrade.
Vintém de Cobre, por exemplo,
Editora Global, ultrapassa todos os
limites de uma literatura cujos
cânones estabelecem fronteiras entre a prosa e a poesia. Em forma
de poesia narrativa, por falta de uma terminologia mais adequada, a autora
recorre a seu passado e redescobre
verdadeiras cápsulas de um tempo que ela supôs perdido, morto. Com tal
procedimento desperta no leitor as mesmas sensações: Que procura você,
Aninha?/Que força a fez despedaçar correntes de afetos?/ e trazê-la de volta às
pedras lapidares do passado?/ Sozinha, sem medo, vinte e sete anos já
passados…/ Meu vintém perdido, meu vintém de felicidade./Capacidade maior de
ser eu mesma, minha afirmação constante.
O surpreendente da literatura
de Cora Coralina : sua primeira publicação somente ocorreu quando a autora
tinha 76 anos. Eis um bom argumento, para uma vez mais, se pensar que a boa
literatura, na maioria das vezes, somente é possível após amadurecimento e muita
experiência vivida. Como ela mesma afirma: Poeta é ser ambicioso, insatisfeito/
procurando no jogo das palavras,/ no imprevisto do texto, atingir a perfeição
inalcançável./ O autêntico sabe que jamais/ chegará ao prêmio Nobel./O medíocre
se acredita sempre perto dele./ Alguns vêm a mim./ Querem a palavra, o
incentivo, a apreciação./ Que dizer a um jovem ansioso na sede precoce de
lançar um livro/ Tão pobre ainda sua bagagem cultural,/ tão restrito seu
vocabulário,/enxugando lágrimas que não chorou,/dores que não sentiu/sofrimentos
imaginários que não experimentou.
Quando a autora, que nasceu em Goiás, tinha
noventa anos sua literatura caiu nas mãos de nosso saudoso Drummond que a tirou
do quase anonimato.
Retomando: na verdade, se ela
não caísse nas mãos de um autor consagrado, generoso e fascinante como o poeta
mineiro, talvez, poucas pessoas tivessem acesso ao mundo de Cora Coralina.
Literatura saborosa, muitas
vezes amarga, surpreende pela simplicidade e pela agudeza de uma mulher sofrida
e vivida. Na obra em referência, Cora Coralina, em diversos momentos, condena a
severidade escolar e a do mundo adultos
em que as vozes infantis não tinham a menor expressão. Desta forma, contribui,
lucidamente, para que não tenhamos dúvidas de que o passado, que via de regra é
reverenciado como exemplar pela geração presente, deva ser examinado com mais
agudeza e clareza.
A leitura de Cora Coralina
permite, inclusive, que todas as áreas do conhecimento, uma vez mais, repense
seus critérios, suas respectivas metodologias. Por quê? Simplesmente porque, na
maioria das vezes, a verdade aparentemente tão próxima de nós...escapa. Escapa
como água das mãos, como pássaros assustados pressentindo a prisão de uma
gaiola. Esta poeta fascinante ajudou muitas mulheres em seu tempo a encontrarem
o seu caminho. Ajudou de todas as maneiras. Uma visita à sua cidade natal
mostra, em parte, o quanto ela foi querida e o que fez pela humanidade, além de
sua literatura que por si só já fala muita coisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário