5. Néctar de Letras
Da Interpretação II
Vejamos o seguinte poema do famoso
poeta grego Konstantinos Kaváfis:
Os cavalos de Aquiles
Ao verem Pátroclo morrer tão jovem,
em todo
o seu vigor e bravura sem par,
os cavalos de Aquiles puseram-se a chorar.
A imortal natureza deles se insurgia
contra o feito de morte a que
assistia.
Sacudiam as cabeças, as longas crinas
agitavam,
e, pisoteando o chão com os cascos, pranteavam
Pátroclo, a quem ali percebiam
inerme, aniquilado –
cadáver ora desprezível – o espírito
evolado –
indefeso – sem sopro de vivente –
exilado, da vida, no grande Nada
novamente.
O pranto dos seus cavalos imortais
fez pena a Zeus. “No casamento de
Peleu”
disse, “irrefletido foi o gesto meu;
inditosos cavalos, melhor fora, creio,
não vos ter dado. Que faríeis lá no meio
da mísera humanidade que é joguete da
Sorte?
Vós, a quem a velhice não ronda nem espreita morte,
infortúnio fugazes padeceis. Às suas
dores os homens vos prendem”. – Mas as
lágrimas suas
pelo eterno, sem remissão jamais,
infortúnio da morte vertiam os dois nobres
animais.
Daria para entender o texto em questão sem
entender de mitologia grega? Em parte. Uma pessoa de escolaridade média saberá
ler o texto , entretanto, se não houver um repertório de mitologia a
compreensão ficará altamente comprometida, visto que a compreensão dos
elementos contextuais poderão adensar a leitura, aprofundá-la.
Vários níveis de leitura são
possíveis neste poema. Naturalmente que um conhecimento básico de mitologia
grega é imprescindível.
Entretanto, além disso há níveis de interpretação nas camadas mais profundas
do poema de Kaváfis, que se ligam,
objetivamente, a uma discussão sobre a mortalidade e imortalidade, finitude e
infinitude.
Sabe-se, previamente, que o poeta em
questão, no conjunto de seus poemas, reflete questões a respeito de sua memória
pessoal, a um tempo passado mais imediato e menos imediato. Além disso, o poeta
conceitua seu passado helenístico, ou seja, o passado de sua gente, do povo
grego.
Nessa medida, fica evidenciado, o
quanto precisamos respeitar os limites propostos pela materialidade do texto em
si. A carga de referencialidade. O nível informacional que não pode ser
desprezado, em princípio, por qualquer intérprete. Eis um dos grandes segredos
para uma interpretação mais próxima daquilo que o autor pretendeu passar para
seus possíveis leitores.
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