quinta-feira, 14 de novembro de 2013

5. Néctar de Letras

Da Interpretação II


Vejamos o seguinte poema do famoso poeta grego Konstantinos Kaváfis:


Os cavalos de Aquiles

Ao verem Pátroclo morrer tão jovem,
 em  todo o seu vigor e bravura sem par,
 os cavalos de Aquiles puseram-se a chorar.
A imortal natureza deles se insurgia
contra o feito de morte a que assistia.
Sacudiam as cabeças, as longas crinas agitavam,
      e, pisoteando o chão com os cascos, pranteavam
Pátroclo, a quem ali percebiam inerme, aniquilado –
cadáver ora desprezível – o espírito evolado –
     indefeso – sem sopro de vivente –
exilado, da vida, no grande Nada novamente.

O pranto dos seus cavalos imortais
fez pena a Zeus. “No casamento de Peleu”
disse, “irrefletido foi o gesto meu;
     inditosos cavalos, melhor fora, creio,
     não vos ter dado. Que faríeis lá no meio
da mísera humanidade que é joguete da Sorte?
    Vós, a quem a velhice não ronda nem espreita morte,
infortúnio fugazes padeceis. Às suas
 dores os homens vos prendem”. – Mas as lágrimas suas
    pelo eterno, sem remissão jamais,
infortúnio da morte vertiam os dois nobres animais. 


 Daria para entender o texto em questão sem entender de mitologia grega? Em parte. Uma pessoa de escolaridade média saberá ler o texto , entretanto, se não houver um repertório de mitologia a compreensão ficará altamente comprometida, visto que a compreensão dos elementos contextuais poderão adensar a leitura, aprofundá-la.
Vários níveis de leitura são possíveis neste poema. Naturalmente que um conhecimento básico de mitologia grega é imprescindível.
Entretanto, além disso há  níveis de interpretação nas camadas mais profundas do poema de Kaváfis, que  se ligam, objetivamente, a uma discussão sobre a mortalidade e imortalidade, finitude e infinitude.
Sabe-se, previamente, que o poeta em questão, no conjunto de seus poemas, reflete questões a respeito de sua memória pessoal, a um tempo passado mais imediato e menos imediato. Além disso, o poeta conceitua seu passado helenístico, ou seja, o passado de sua gente, do povo grego.
Nessa medida, fica evidenciado, o quanto precisamos respeitar os limites propostos pela materialidade do texto em si. A  carga de referencialidade. O  nível  informacional que não pode ser desprezado, em princípio, por qualquer intérprete. Eis um dos grandes segredos para uma interpretação mais próxima daquilo que o autor pretendeu passar para seus possíveis leitores.


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