Néctar de Letras e Imagens: Que tal lermos um bom livro?
Ana Maria Haddad Baptista
Muitas vezes na
literatura temos um grande cronista, ou seja, aquele escritor que por meio de
textos breves consegue captar do
cotidiano um lapso e transformá-lo, via de regra, num texto saboroso. Tal tipo
de gênero possui muita aceitação entre o público brasileiro desde o século XIX.
Um solitário à espreita, Milton Hatoum, Cia das Letras, foi escrito por um dos maiores
romancistas brasileiros da atualidade. Milton Hatoum há muitos e muitos anos
tem demonstrado, de longe, ser um escritor que na linguagem é bastante
econômico, exato, pontual (lembra de leve Graciliano Ramos, Guimarães Rosa) e
consegue dar profundidade a todos os temas aos quais se propõe a tratar.
Merecidamente ganhou diversos prêmios em Literatura.
Na obra em
referência o escritor brasileiro oferece ao público crônicas bastante especiais
em todos os sentidos. Na verdade, as crônicas foram publicadas em jornais e
revistas nos últimos dez anos (como o próprio autor notifica no início do
livro) e misturam-se imagens captadas do dia a dia, assim como fragmentos de
memórias do autor, como no seguinte trecho em que Milton se refere à avó: “Quis
o acaso que eu fosse um de seus netos queridos. Com os filhos ela era implacável,
como são as mães de uma penca de marmanjos. Quando os seis homens da casa se
atracavam como gladiadores e berravam camelôs em pânico, bastava um olhar da
matriarca para que os vozeirões se rebaixassem a miados de angorá. Podiam
brigar por dinheiro, futebol ou política, mas nunca por amor a uma mulher, já
que a única mulher na vida deles era ela mesma.”
Um solitário à espreita, nestes tempos de loucura temporal, quando o tempo se
tornou uma espécie de mercadoria mais preciosa do que o próprio dinheiro (gente
bilionária possui bens, muito e muito dinheiro, mas não consegue tempo,
inclusive, para gastá-lo), é um livro que pode ser lido aos poucos, visto que
os textos são independentes.
Mas os textos,
embora independentes entre si, visto que cada crônica é um tema, possuem
traços em comum. Quais seriam os mais
essenciais? Um deles é o grande humor aliado a um amargor suave do
narrador/escritor, como por exemplo: “Em novembro a sorveteria fechou. Ghodor
socorreu o irmão, mas este teve de vender sua casa, sua lambreta velha e os
anéis que iam brilhar nas mãos de sua recente namorada, uma beleza cabocla
muito mais vaidosa que idosa. Até os copinhos de papel foram a leilão.” Um
outro traço que irmana as crônicas é a
ironia. E uma ironia fina, elegante, que, via de regra, faz o leitor mergulhar
agudamente em suas próprias situações, eis um ponto fundamental desta obra. Se
uma crônica, conceitualmente, é um texto leve,
as crônicas de Hatoum conseguem a proeza de nos lembrarmos de nossas
vivências, também, com certa leveza , de que apenas uma boa literatura
consegue. E, finalmente, o nosso escritor faz uma advertência bastante
importante a respeito da Literatura: segundo ele, para muitos escritores a fonte de suas
narrativas estaria nas memórias de infância e juventude. “A memória incerta e
nebulosa do passado acende o fogo de uma ficção no tempo presente.” Comenta que
as experiências vividas por um escritor são muito importantes por aqueles que
elegem as letras. Contudo, assegura o autor, para aquele que aspira ser um
escritor há um elemento fundamental: a leitura. Com isso, inferimos, uma vez
mais, quer o escritor, ou qualquer um de nós, para que, realmente, possamos
penetrar em outros universos, em especial o filosófico, o domínio de linguagem é o grande passo.
Entretanto, o grande passo para o mundo da linguagem em geral possui somente um caminho: LITERATURA. A leitura da obra em questão possibilitará excelentes encontros com as imagens e letras que o autor nos sugere!
Obs: Grande parte deste texto já foi publicado por outros canais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário