O tempo livre do movimento
Para Kant, o tempo e o espaço são condições, formas para tudo o que
aparece ao homem. Segundo o filósofo o tempo e o espaço não pertencem às coisas
tal como elas são em si mesmas e, sim, como formas de todo e qualquer fenômeno.
De acordo com as teorias propostas por Deleuze [1]
Kant operou uma verdadeira reviravolta no pensamento filosófico. O tempo deixa,
a partir dos conceitos kantianos, de ser percebido somente enquanto uma
categoria exterior ao homem. [2]
Kant concebe a razão como uma forma pura e como tal, esvaziada de conteúdos.
Tal forma seria inata, “a priori” e não poderia ser adquirida por intermédio da
experiência. Nessa perspectiva, os conteúdos é que dependeriam da experiência.
Também as estruturas da razão não poderiam conhecer a realidade tal como ela é,
em si mesma. Segundo Kant o homem possui duas formas de sensibilidade: o espaço
e o tempo.
Kant, de acordo com Deleuze, vai
operar uma mudança radical em relação ao pensamento clássico; a partir do
filósofo germânico seria como se o tempo de desenrolasse, se desencurvasse, um
círculo que se desprendesse e passasse a ser uma linha reta pura, daí a
grandiosidade e a grande novidade, digamos assim, dos conceitos kantianos. O tempo se livra e se desvencilha do espaço,
adquire, essencialmente, uma total independência – até então completamente
desconhecida – uma forma pura. [3]
Deleuze deixa claro que o tempo não toma lugar do espaço, mas, sim, deixa
de ser uma espécie de obstáculo para o pensamento; limite que opera o
pensamento em sua interioridade, que o transpassa e o atravessa de um lado para
o outro, posto que é um limite inerente interior, ao passo que na filosofia
clássica o espaço é determinado como limite exterior ao pensamento.
Não é o tempo
que nos é interior, ou ao menos ele não nos é especialmente interior, nós é que
somos interiores ao tempo e, a esse título, sempre separados por ele daquilo
que nos determina afetá-lo. A interioridade não pára de nos escavar a nós
mesmos, de nos cindir a nós mesmos, de nos duplicar, ainda que nossa unidade
apareça. Uma duplicação que não vai até o fim, pois o tempo não tem fim, mas
uma vertigem, uma oscilação que constitui o tempo, assim como um deslizamento,
uma flutuação constitui o espaço ilimitado.[4]
Conforme depreende Deleuze, a partir de Kant, a interioridade passa a se
constituir enquanto um processo introspectivo que não tem limites e a forma do
tempo estará instituída no pensamento. A subjetividade, principalmente, a
partir de Kant tomará outros rumos, até então nunca pensados, por isso Deleuze
insiste na importância das teorias
kantianas a respeito do tempo e do espaço.
Tais categorias nunca mais serão as mesmas e terão outros rumos,
especialmente, nos séculos XIX e século
XX.
Nessa perspectiva, o tempo está despreendido do movimento dos astros tal
como formularam, de alguma maneira, Platão e Aristóteles. A subjetividade ganha
contornos, impensáveis, em relação à Antiguidade grega. Olhamos o mundo
interior com outros olhos. A introspecção ganha nitidamente uma profundidade
sem precedentes.
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