Os Garranchos de Graciliano Ramos: um convite à leitura em busca de linguagens
Ana Maria Haddad Baptista
Leituras & Fantasias |
Um dos grandes períodos de
produtividade da literatura brasileira, sem dúvida alguma, foi aquele que
compreendeu dos anos trinta até, mais ou menos, os anos sessenta. Jorge Amado, José Lins do Rego,
Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e outros grandes nomes
fizeram literatura de primeira grandeza. Materializaram essências poéticas
inesquecíveis. Universais.
Os Garranchos,
Graciliano Ramos, Editora Record, publicado em 2012, reúne textos (muitos
inéditos), criteriosamente organizados por Thiago Mio Salla. Graciliano Ramos
é, de um modo geral, injusta e imerecidamente denominado “um autor regionalista” no pior sentido do
conceito, diga-se de passagem. O autor alagoano, conforme se sabe, conseguiu
fazer uma literatura que passa muito distante de uma “literatura regional”. São
Bernardo, Angústia, Vidas Secas, Memórias do Cárcere, por exempo, são obras que
nada possuem de “regionalistas”. Todas
estas obras tratam, em especial, de dramas universais da humanidade. Graciliano
nunca se repete. Dificilmente quem lê Angústia diz que este mesmo autor
escreveu Vidas Secas ou Memórias do Cárcere. Cada obra possui uma estrutura
diferente. Uma forma singular. Uma proposta literária, de linguagem, que almeja
objetivos diferentes. O experimentalismo, como diria Haroldo de Campos, levado
enquanto um projeto de arte, de literatura, a sério.
Cavalos Desmemoriados em busca de Memórias Ancestrais |
Garranchos é um
livro que atualiza as concepções a
respeito de Graciliano Ramos. Um homem que nunca se dobrou a qualquer sistema. Jamais
se “vendeu”, mesmo passando pelas piores
situações econômicas. Pessimista, emburrado, cismado, fez da literatura (entre
outras coisas) um meio de atingir os grandes impérios de poder e pretensos
literatos que afetavam sua época, como por exemplo, no seguinte trecho: “Seremos
com efeito literatos? Este nome encerrava ainda há pouco um sentido
prejudicial, herança provável do tempo em que arte era indício da boêmia e
sujeira. Escrevemos efetivamente, mas desconfiados, no íntimo desgostosos com
um gênero de trabalho que não pode ser profissão. A nossa mercadoria vai sem
verniz para o mercado e não nos desperta, posta em circulação, nenhum
entusiasmo. Somos diletantes. Receamos que nos discutam, que nos analisem, que
nos exibam os aleijões. Se eles começarem a ser indicados, multiplicar-se-ão,
ocuparão toda a obra. A referência que nos contenta é o elogio bem derramado.
Não faz mal que seja idiota: precisamos vê-lo, repeti-lo, convencer-nos de que
realizamos qualquer coisa notável.”
Garranchos lembra, em
quase todas as suas páginas, o estilo ácido e picante de Graciliano. Na
verdade, suas contribuições críticas de literatura e aspectos políticos, culturais que faziam parte do contexto de sua época. Entretanto,
apesar de tantos anos passados: o estilo elegante, econômico, telegráfico de
Graciliano permanence como, ainda, uma grande aula do “bem escrever”.
Ler esta obra é um convite a
lições de ternura, ainda que distraída, a lições de dignidade, de uma gramática
que sabe ser rigorosa sem ser enjoativa ou classificatória. Ler Graciliano
Ramos se aplica ao que ele afirmou a respeito de um pintor famoso: “Homem
estranho, Portinari, homem de enorme exigência com a sua criação, indiferente
ao gosto dos outros, capaz de gastar anos enriquecendo uma tela, descobrindo
hoje um pormenor razoável, suprimindo-o amanhã, severo, impiedoso.”
Obs: Grande parte deste texto já foi publicado por outros canais.
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