Guimarães Rosa: Literatura e
Filosofia
Ana Maria Haddad Baptista
Literatura e Filosofia são áreas
cuja proximidade nem sempre alcança o entendimento que deveria ter. Desde
a Antiguidade grega que a Literatura, sob alguma dimensão, foi pensada por
poetas e filósofos, conforme é sabido. Poetas, durante muitos séculos, foram
vistos como portadores de verdades e
fixadores de um passado coletivo. Pelas
mãos das Musas tinham acesso a mundo inacessíveis aos seres mais comuns. Todavia,
em especial, Platão sempre desconfiou dos poetas, da poesia.
Na obra
póstuma A Rosa o que é de Rosa:
Literatura e Filosofia em Guimarães Rosa, Benedito Nunes (1929-2011),
organização de Victor Sales Pinheiro, editora DIFEL, lançada recentemente, temos,
uma vez mais, um grande presente do nosso saudoso Benedito Nunes, pensador
incansável a respeito das relações entre Literatura e Filosofia.
O que nos diz de importante a obra em questão? Nunca
é demais lembrar que Guimarães pesquisou e estudou muita Filosofia e que
Benedito Nunes jamais deixou em segundo plano a importância que dava à
Literatura para refletir a Filosofia. A obra como um todo possui várias
abordagens a respeito da escritura de Guimarães Rosa, sem nunca deixar o viés filosófico . Contudo, merece ser
destacada a brilhante leitura de Benedito Nunes no que diz respeito,
especificamente, à literatura e
filosofia em Grande Sertão: Veredas. Nunes enfatiza que a “filosofia afirmou-se
como discurso privilegiado (…) condensa-se o traçado, em que a perspectiva
metafísica do pensamento filosófico se fixou – perspectiva de que platonismo foi o conformador e o difusor históricos – da
teoria como visão do inteligível, como apreensão do verdadeiramente real,
objeto último de todo conhecimento.” No entanto, ressalta Nunes: Sócrates
afirma a diferença entre o discurso racional (verdadeiro) e o da fábula
(mentiroso). Prossegue afirmando que Hegel fundamenta uma outra perspectiva,
além de traçar, magistralmente, os pontos essenciais de trajetória da literatura
e filosofia até a contemporaneidade. Nunes destaca, em especial, dois pontos da
obra de Guimarães Rosa. Primeiramente, a linguagem: “Independentemente da
articulação metafórica elaborada sobre o espaço social e humano de imediata
referencialidade regional – o Sertão - , a reflexividade dominante da narração,
isto é, do processo narrativo, do discurso como tal, entrança metáforas que são
tipos do pensamento. Despreendido de um enorme bloco da linguagem filosófica,
que liga o neoplatonismo à Patrística”.
Outro ponto importante destacado por Nunes é a
questão do tempo em Grande Sertão. O filósofo propõe: o tempo da narrativa, o
tempo do relato oral, o tempo que corresponde aos acontecimentos e o tempo da
evocação, da lembrança. Nada mais sábio do que as proposições de Nunes se
lembrarmos que as questões a respeito de tempo seriam ainda muito mais complexas e obscuras, se as
abordagens literária e filosófica não existissem. Por quê? Como já disse
Deleuze: a busca do tempo tem uma relação essencial com a busca da verdade.
Literatura e filosofia, ambas, mesmo que por critérios diferentes, anseiam a
busca ontológica do ser. Busca de temporalidades, busca de verdades!
A leitura da obra em referência possibilita uma
estrada favorável e prazerosa para os leitores que desejam um aprofundamento
para se entender os meandros das diversas escolas filosóficas, assim como para
aqueles que anseiam compreender com mais clareza os pressupostos da literatura
de Guimarães, ou seja, a linguagem enquanto palavra reinventada. E nessa medida
enquanto expressão máxima do ser. Do existir.
Parafraseando Sartre em um de seus belos ensaios…um
livro, na verdade, não passa de um amontoado de folhas secas. No entanto pode
ser uma grande forma em perfeito movimento, ou seja, na leitura.
Somente a leitura poderá movimentar as palavras!
De que adianta um livro numa bela estante? Um livro, essencialmente, poderá ser uma descontinuidade temporal que favorece nossa interioridade.
Obs: Grande parte deste texto já foi publicado.
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