Néctar de Letras: Aquelas (es) que trabalham com e
entre as palavras
Ana Maria Haddad Baptista
Imensidão da miséria |
Hoje é o Dia do
Trabalhador. Na maior parte do planeta. Dia daqueles que, cada vez mais,
enriquecem os patrões, por usar um clichê ordinário e desgastado. Dia daqueles
que sobrevivem às custas de um trabalho fatigante. Não instigante. Lamento.
Profundamente. Contudo, lamento muito mais aqueles que perderam a capacidade de
indignação.
Vivem vidas veludosas. Veladas.
Adocicadas.
Recheadas. Refinadas.
Peneiradas.
Fascinadas pelo
medíocre!
Magnitudes do Universo |
Nessa medida, mais
do que nunca, devemos conhecer melhor a grande Alice Munro, escritora
canadense. O amor de uma boa mulher, tradução de Jorio Dauster, Cia das Letras,
comprova, com certeza, a materialização de uma obra literária que carrega um
alto teor de competência e habilidade na escritura de contos.
Os contos de Alice
Munro provam que a contemporaneidade consegue, ainda, olhares agudos, em
especial, a situações do cotidiano, que vão além de uma simples crônica. O amor
de uma boa mulher traz oito contos
longos. Diferentemente da maioria do gênero, vê-se nesta literatura um espaço
raro de aprofundamento de análise do comportamento humano. Da alma humana. Como
no seguinte trecho: “Vez por outra, contudo, vinha um momento em que tudo
parecia ter algo para lhe dizer. Os arbustos agitados, a luz descolorante. Como
um relâmpago, de roldão, sem dar tempo para se concentrar. Logo quando seria
desejável ter um panorama da situação, você era confrontado com uma visão
acelerada e ridícula, como se estivesse num brinquedo de parque de diversões. E
por causa disso admitia a ideia errada, sem dúvida a ideia errada, de que
alguém morto pudesse estar vivo e morando em Jacarta”.
Magnitudes das Palavras |
A literatura de
Alice Munro não é, de forma alguma, feminista. Contudo, consegue desvendar de
maneira primorosa e detalhada a alma feminina. Seus desdobramentos mais
íntimos. A alma feminina sem julgamentos. Uma literatura sem análise das
atitudes de personagens. A escritora, na construção de seus contos, age como se
estivesse a uma distância que busca isenção, ao mesmo tempo que suas lentes
agudas conseguem dar os pormenores das situações descritas com alto grau de
sensibilidade.
Na verdade, a obra
como um todo, o que nos diz? Entre tantas outras coisas: que o mundo é
complexo. Que a vida é a busca do preenchimento das incompletudes, não somente
as imateriais. Que estamos imersos, individualmente, nos labirintos
inescapáveis da solidão. Que quando pensamos que estamos imersos em águas de
calmaria... turbilhões de poeira intentam cegar e subtrair momentos de
segurança. Que literatura é uma profunda
camada de desconforto necessário para que possamos sobreviver com dignidade! E
jamais perder a capacidade de protestar!
Obs: Grande parte
deste texto foi publicado na Revista Filosofia/ Editora Escala.
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