sábado, 23 de maio de 2015


Néctar de Letras: educação & tempo-memória

Ana Maria Haddad Baptista

Universidade Nove de Julho, Memorial, 2o. semestre de Letras, noturno.

Meus alunos surpreendentes escreveram: 



"Após a descoberta tornei-me uma garota amarga. As horas na Uninove não passavam. Na minha casa olhava o relógio ansiosa querendo empurrar o ponteiro só com o olhar. Antecipava minha chegada nas aulas na tentativa de vê-lo novamente. (...) Dias e meses que desejo esquecer. A chuva demorava a passar, o sol era quente. Insuportável. Até o tempo de espera para abrir o farol parecia longo."      Edenilza Jesus dos Santos

"O gosto pelo estudo em práticas de ensino aumentaram. Mudei para a licenciatura na Universidade Nove de Julho. Sinto a perda de tempo. Foi e é uma decepção até hoje."  Maira Martins do Nascimento



"No final descobri que tudo o que sei é o que falam. Não tive a oportunidade de formar a minha opinião. Meu amigo teve e perdeu tudo. (...) No fim o tempo e a memória que nos fizeram reféns foram nossos amigos."    anônimo


"O tempo foi algo como se estivesse congelado minhas lembranças e ficando só naquele momento. São recordações de momentos decepcionantes que não se apagam da memória mesmo sabendo que se passaram tantos anos. Os detalhes estão vivos na memória. Tanto os felizes, como as mágoas e frustrações(...) Sensação de não ter vivido."          anônimo

"Fiquei extremamente chateada pelo fato de que não era o que eu queria e naquela época era como se meu mundo tivesse desabado o tempo para mim. Estava perdido. Eu me sentia extremamente frustrada."   Cecília Machado

"Mesmo depois de muito tempo, a mente volta para os momentos felizes. Ora para os momentos tristes. Uma mistura de sentimentos e o tempo nesse momento causa estranhamento. Não entendo o real motivo de voltar no tempo sabendo que estou em outro relacionamento e perdendo tempo em pensar algo que não deu certo."     anônimo

"Após um término de relacionamento o tempo parece não passar. É quase inevitável não se apagar as memórias do relacionamento (...) Mesmo com o  tempo se arrastando...você acaba voltando a viver e criando novas experiências e objetivos. Quando percebe...o tempo volta ao normal e as lembranças começam a se esvair. E o que no início parecia a maior decepção da sua vida, acaba se tornando uma experiência nova."      Jéssica Cristina/ Lisandra Caetano



"Como foi acontecer? Como puderam fazer isso comigo? O tempo simplesmente parou arrasando meu coração. Nossa amizade."     Lucilene Pereira

"O tempo para mim não passava. Pensava o tempo todo no que tínhamos vivido. Dia após dia...como dizem...fui matando um leão dentro de mim. Mas o tempo é o melhor remédio".          SSP



"O tempo congela aquele momento de 'incapacidade'. Mas o mesmo tempo passa e traz com ele a maturidade e o entendimento de que tudo tem a sua hora."  Mara Angélica/ Denis Batista

 "Tempos compartilhados com estudantes são eternizados pela memória. São tempos de fascínio diante do inesperado."    Ana Maria Haddad Baptista





sexta-feira, 1 de maio de 2015



Néctar de Letras: Aquelas (es) que trabalham com e entre as palavras


Ana Maria Haddad Baptista



Imensidão da miséria


Hoje é o Dia do Trabalhador. Na maior parte do planeta. Dia daqueles que, cada vez mais, enriquecem os patrões, por usar um clichê ordinário e desgastado. Dia daqueles que sobrevivem às custas de um trabalho fatigante. Não instigante. Lamento. Profundamente. Contudo, lamento muito mais aqueles que perderam a capacidade de indignação.
 Vivem vidas veludosas. Veladas.
Adocicadas. Recheadas. Refinadas.
Peneiradas.
Fascinadas pelo medíocre!
 Aproveito para lembrar que os escritores, de verdade, são aqueles (as) que trabalham com as palavras. Entre as palavras. E quero falar de uma trabalhadora que poucos conhecem, ou seja, de Alice Munro. Uma das poucas mulheres deste mundo que conseguiu ganhar um prêmio Nobel de Literatura. Desde que este foi instituído raras escritoras conseguiram levar um para suas casas. Por quê? Será que as mulheres possuem algo a menos que não conseguem escrever literatura considerada de primeira linha? Será que as Musas odeiam as mulheres? Justo as grandes prolongadoras das memórias? Evidentemente, conforme se sabe, as razões são outras. Historicamente as mulheres foram deixadas de lado, sempre, para outras formas de ocupação. Mesmo com todos os avanços em busca da liberação feminina, a mulher, durante o século XX, pouco conseguiu. Prova disso é o Nobel de Literatura (diga-se de passagem não somente o Nobel de Literatura...).

Magnitudes do Universo

Nessa medida, mais do que nunca, devemos conhecer melhor a grande Alice Munro, escritora canadense. O amor de uma boa mulher,  tradução de Jorio Dauster, Cia das Letras, comprova, com certeza, a materialização de uma obra literária que carrega um alto teor de competência e habilidade na escritura de contos.
Os contos de Alice Munro provam que a contemporaneidade consegue, ainda, olhares agudos, em especial, a situações do cotidiano, que vão além de uma simples crônica.  O amor de uma boa mulher  traz oito contos longos. Diferentemente da maioria do gênero, vê-se nesta literatura um espaço raro de aprofundamento de análise do comportamento humano. Da alma humana. Como no seguinte trecho: “Vez por outra, contudo, vinha um momento em que tudo parecia ter algo para lhe dizer. Os arbustos agitados, a luz descolorante. Como um relâmpago, de roldão, sem dar tempo para se concentrar. Logo quando seria desejável ter um panorama da situação, você era confrontado com uma visão acelerada e ridícula, como se estivesse num brinquedo de parque de diversões. E por causa disso admitia a ideia errada, sem dúvida a ideia errada, de que alguém morto pudesse estar vivo e morando em Jacarta”.


Magnitudes das Palavras

A literatura de Alice Munro não é, de forma alguma, feminista. Contudo, consegue desvendar de maneira primorosa e detalhada a alma feminina. Seus desdobramentos mais íntimos. A alma feminina sem julgamentos. Uma literatura sem análise das atitudes de personagens. A escritora, na construção de seus contos, age como se estivesse a uma distância que busca isenção, ao mesmo tempo que suas lentes agudas conseguem dar os pormenores das situações descritas com alto grau de sensibilidade.
Na verdade, a obra como um todo, o que nos diz? Entre tantas outras coisas: que o mundo é complexo. Que a vida é a busca do preenchimento das incompletudes, não somente as imateriais. Que estamos imersos, individualmente, nos labirintos inescapáveis da solidão. Que quando pensamos que estamos imersos em águas de calmaria... turbilhões de poeira intentam cegar e subtrair momentos de segurança.  Que literatura é uma profunda camada de desconforto necessário para que possamos sobreviver com dignidade! E jamais perder a capacidade de protestar!


Obs: Grande parte deste texto foi publicado na Revista Filosofia/ Editora Escala.