quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ana Maria Haddad: Néctarde  Letras: a amargura dos resultados doEnem...

Ana Maria Haddad: Néctarde  Letras: a amargura dos resultados doEnem...: Néctar de   Letras: a amargura dos resultados do Enem de 2014 Ana Maria Haddad Baptista Não posso ficar calada. Porém, nem tão su...


Néctar de  Letras: a amargura dos resultados do Enem de 2014

Ana Maria Haddad Baptista

Não posso ficar calada. Porém, nem tão surpreendida.  Como era de se esperar, mais uma vez, as provas de redação do Enem, (entre outras), foram um verdadeiro fiasco! Qual é a novidade? Apenas mais uma constatação:
amarga
perversa
ordinária
medíocre
desonrosa
triste
miserável.
De que os estudantes brasileiros (não se iludam... não somente os estudantes brasileiros) não sabem desenvolver um texto! Apenas mais uma constatação...nada mais! Por quê?



 Porque, via de regra, seguem receitas de "como escrever":
 a. Não fugir do tema proposto.
Exemplo:  Se o tema for a respeito de um lobo...não escrever a respeito de um peixe...
b. Correção gramatical:
Exemplo: Nois gosta do curingão...e sim: Nós gostamos do Coringão.
c. O texto deve ter coerência e coesão.
 Nessa medida, exemplos que não devem ser imitados:
 Um homem achou um pé de linguagem na floresta...
A faca corria com desespero atrás de uma colher...
Os mares correm para os lagos de peixinhos douradinhos...



Existem duas  receitas , infalíveis,  para quem quiser falar e escrever bem.
1a. Não leiam:
a. Livros de sucesso, que foram vendidos aos milhões no mundo, do tipo: Borboleta I, Borboleta II, Borboleta III, Borboleta IV. Ou: Crocodilo a, Crocodilo b, Crocodilo c.  Ou do tipo: Como agarrar um pé de goiaba?. Ou: Como escrever bem em 50 minutos?. Ou: A história da humanidade desde Adão até os nossos dias. Ou: Os 101 sucos de Brian Lacoste. Ou: A árvore que dava groselha. Ou: Filosofia para quem gosta de gibis. Ou: Como seduzir um gorducho com um guisado de sapo. Ou: Como escalar uma montanha de 3 metros de altura. Ou: Como distrair um pinguim emburrado. Ou: Como emagrecer 20 quilos em 5 dias. E, finalmente, vejamos as condenações fascinantes de Ernesto Sabato:
"1. Romance com nós em vez de eu. (Primeiro trabalho prático, ao alcance dos bolsistas debiloides.)
2. Romance com subjuntivo em vez de indicativo (...) confere certo arzinho de mistério e ambiguidade à idiotice citada (...).
3. Romance-baralho: cada um joga a partida que quiser contra um opositor que joga com outro romance (...).
4. Romance capicua: pode-se ler de frente para trás e de trás para a frente.
5. Romance para ser lido na diagonal.
6. Romance em que o leitor deve substituir a palavra 'papai' toda vez que ela aparecer pela palavra 'televisor' (...).
7. Romance-loteria: vendido em combinação com a Loteria Nacional. O número premiado indica a ordem em que os capítulos devem ser lidos (...).
8. Romance-telefônico: na obra vai indicando o telefone do autor, a quem o leitor pode propor variantes e modificações, que, embora privadíssimas, são de extrema fertilidade para a hermenêutica (...)."





2a. Leiam:

Por quem os sinos dobram?
O ser e o nada
Enterrem  meu coração na curva do rio
Os Miseráveis
Educação como prática da liberdade
Abadon, o Exterminador
Diferença e Repetição
Os anormais
Grande Sertão Veredas
A força da idade
A força das coisas
O segundo sexo
Vidas Secas
São Bernardo
Tempos de Reflexão
A metamorfose das plantas
A teoria das cores
Filomena Firmeza
O existencialismo é um humanismo
O Banquete
Signos, Máquinas, Subjetividades
Corintiano Graças a Deus

Lamento, de fato, os resultados do Enem. Nada mais.




segunda-feira, 12 de janeiro de 2015



Néctar de Letras: sugestões  de leitura para 2015

Ana Maria Haddad Baptista






A leitura impressa ocupa um espaço cada vez menor na vida das pessoas. A situação é crescente e não somente no Brasil. Todas as culturas do mundo concorrem com outras formas de leitura. Na maioria das vezes leituras que quase nada acrescentam às nossas subjetividades/temporalidades.
Gostaria de sugerir a leitura dos livros fascinantes, todos, de Simone de Beauvoir. A maioria dos livros da autora francesa estão esgotados. No entanto, os sebos virtuais da vida ainda possuem alguns exemplares. Uma sugestão, creio eu, imperdível: A força das coisas. Esta obra é de cunho autobiográfico. A leitura desta obra, em especial para as mulheres, nos coloca a par de uma história marcada por lutas e desafios. Vale a pena, por exemplo, a transcrição de um trecho do livro para todos aqueles que escrevem ou pretendem escrever:
 "Um defeito dos diários íntimos e das autobiografias é que, em geral, o que é 'óbvio' não é dito, e perde-se o essencial. Também eu caio nesse erro. (...) Quanto às minhas memórias, familiarizei-me com meu passado relendo cartas, velhos livros, meus diários íntimos, cotidianos. Quando sinto que estou pronta, escrevo de uma só vez trezentas ou quatrocentas páginas. É um trabalho penoso: exige intensa concentração, e a mixórdia que acumulo me causa repulsa. Ao fim de um ou dois meses, estou muito enjoada para continuar. Parto novamente do zero. Apesar dos materiais de que disponho; a página está novamente em branco, e eu hesito antes de mergulhar. (...) Faz-se muitas vezes uma ideia mais romântica da literatura. 






Mas ela me impõe essa disciplina justamente porque é algo diferente de um ofício: uma paixão ou, digamos, uma mania. Ao despertar, uma ansiedade ou um apetite me obriga a tomar imediatamente a caneta; só obedeço a uma determinação abstrata nos períodos sombrios em que duvido de tudo: então a própria determinação pode falhar. Mas, salvo em viagem, ou quando ocorrem eventos extraordinários, um dia sem escrever tem gosto de cinza. (...) Minha curiosidade é menos rude do que na minha juventude, mas quase tão exigente: nunca se acaba de aprender porque nunca se deixa de ignorar. Não quero dizer que para mim algum momento seja gratuito: nunca um instante me pareceu perdido, se me trazia um prazer. Mas através da dispersão das minhas ocupações, divertimentos, perambulações , há uma constante vontade de enriquecer meu saber. (...) A emoção mais violenta e mais sincera não dura: algumas vezes ela suscita atos, engendra manias, mas desaparece; por outro lado, uma preocupação, provisoriamente afastada, não deixa de existir: está presente no próprio cuidado que tomo de evitá-la. Muitas vezes as palavras são apenas silêncio, e o silêncio tem suas vozes."