Literatura e Matemática: da linguagem, das linguagens
Ana Maria
Haddad Baptista
O
grande escritor grego moderno, Yorgos Seferis (1900-1971), escreveu em um de
seus belos diários, que um livro, entre outras coisas, seria uma espécie de ‘reserva
de vida’. Difícil esquecer de tal imagem
que, na verdade, jamais havíamos, sequer, sonhado. Somente, talvez, intuído.
Por isso que muitas vezes, compramos
certos livros, em especial, quando sabemos que aquele livro só pode ser
muito bom (há indícios: um novo autor a descobrir, um autor muito conhecido e
querido) e, simplesmente, adiamos sua leitura. Sabemos, lá do fundo de nossa
alma, que naquela obra existe algo que deverá nos surpreender. Que existe um
misterioso trabalho de linguagem que deverá nos seduzir. E, como a vida, via de regra, possui largos
espaços de tédio, temos medo de ficarmos sem 'reservas de vida'. Sem brilhos e
faíscas que possam cintilar em nosso medíocre cotidiano. Eis uma grande
verdade. O que é um livro? Em que medida a literatura preenche espaços
inimagináveis? E de repente, muitas vezes, vou a uma livraria e nada encontro. Vertigem.
Estou perdida. Ou um grande autor morre! Um grande pensador! Ficamos
mergulhados na mais completa solidão à espera de que alguma coisa aconteça para sair de um
torpor que nos amedronta. [1]
Mas, claro, sempre existe a
possibilidade fascinante de pegarmos ‘uma reserva de vida’. Recorremos a
Borges. O grande Borges. Abrimos em seus contos, que sempre beiram, uma
irrealidade que, quase, extrapola o tácito compromisso de que há um acordo
entre autor e leitor que é o pacto da ficção. O pacto do inesperado. Para onde
Borges nos pretende levar? Muitas vezes, numa atmosfera rodeada de ritmos da
Física, da Matemática e outras ‘áreas do saber’ aparentemente sem a menor
conexão com o mundo das pretensas universalidades e verdades. Ou recorremos a
Fernando Pessoa. Para meu espanto matemática pura. E um universo completamente
dominado por cadeias de signos com os ritmos das teorias dos infinitos.
Da linguagem:
pequenos mistérios e paradoxos
Quando
pegamos um livro, seja ele qual for, o que nos intriga, na verdade, está
diretamente relacionado com o sentido e as significações que aquele livro nos
provoca por intermédio da linguagem. Como produzir sentido? Recordo-me, entre
tantos outros que poderia citar, do bom e velho Deleuze: “a lógica do sentido”.
Em que medida o sentido possui uma lógica? Platão, desde o Crátilo, sabe-se, questiona o sentido e o significado. Em poucas
palavras: o que leva um elefante ser nomeado como tal? Por que um cavalo não
poderia ser chamado de carneiro ou vice-versa? E desta forma percebe-se que a
preocupação com o sentido das palavras sempre despertou as mais fascinantes
discussões. Platão nos coloca dois caminhos para serem refletidos: os nomes
podem ser signos convencionais ou poderiam, inclusive, pertencer à sua própria
natureza. Isso somente para ficarmos num plano superficial. A história é muito e
muito mais longa e complexa. Pensemos: será que todos os objetos (em seu
sentido mais amplo) foram, realmente, frutos de meras nomeações convencionais?
Será que não houve nomeações que buscaram arduamente relacionar,
analogicamente, a coisa à palavra? Em que medida houve um esforço para tal? Em
que medida as representações foram inventadas? E, fatalmente, penso em
universos sígnicos propostos por Peirce! Creio, (e claro que não estou sozinha)
que ele pode satisfazer, em grande parte, as minhas insatisfações. As tais
das incompletudes teóricas. O Universo é
composto de signos. Todas as linguagens
são compostas de signos. Ocorre que nem todos os signos são iguais. Não posso
comparar, passivamente, em termos de
linguagem, uma imagem com uma palavra qualquer. E neste contexto reside a
possível genialidade de Peirce: o Universo é composto de signos que podem,
perfeitamente, ser divididos em três categorias: ícones, índices e símbolos. O
que seriam os ícones para Peirce? Ora, seriam aqueles signos que conseguem
manter uma relação estreita de analogia com o objeto que pretendem significar.
E nos dá belos exemplos: as imagens. Os índices como a própria nomenclatura nos
indica seriam os signos que possuem uma relação física e material com os
objetos que buscam representar, ou seja, se numa praia vemos pegadas da pata de
uma ave, sabemos que por lá passou uma ave e assim por diante. Finalmente o
símbolo. Para o pensador americano símbolos são as palavras em seu sentido mais
convencional. Eu diria: em seu sentido mais ordinário.
Contudo,
o que gostaria de evidenciar ( que não se traduz em nenhuma novidade espantosa)
é que todas as linguagens, de certa forma, estão irmanadas. Gostaria de
ressaltar que para Peirce quando temos
uma bela literatura, com alto grau de poeticidade, nada mais temos que ícones.
Ora , qual o papel da Literatura, entre tantos outros? Linguagem. Os ícones na
linguagem verbal buscam aproximar as palavras de seus objetos a serem
representados. Todavia, isso não se dá somente na Literatura. Na Matemática as
coisas não se passam diferente como a maioria acredita. Nas palavras de Peirce
(2010, p. 66): “Quando, em álgebra, escrevemos equações uma sob a outra, numa
disposição regular, particularmente quando usamos letras semelhantes para
coeficientes correspondentes, a disposição obtida é um ícone. Um exemplo:
a
x + b y = n
1 1 1
a x +
b y = n
2 2 2
Isso
é um ícone, pelo fato de fazer com que se assemelhem quantidades que mantêm relações análogas com o problema. Com
efeito, toda equação algébrica, é um ícone, na medida em que exibe, através de
signos algébricos (que em si mesmos não são ícones), as relações das quantidades
em questão.” Mas. Pensemos um pouco com Guimarães Rosa
quando nos diz em Desenredo [2]
que Irlívia “era morena, mel e pão”. Que
bela imagem! Que belo ícone. Que síntese! O ícone proposto pelo escritor
mineiro nos remete, sem dúvidas, a cor meio que bronze, eu diria, bronzeado do
mel. E, ainda, claro que o autor nos mostra que a mulher tinha a doçura do mel e a gostosura do pão. E
o pão, claro, o alimento simbólico (
saciedade da fome). Com isso quero dizer que a aparente disparidade entre, no
caso, a linguagem da Matemática e a linguagem da Literatura não existem! Os
ícones, índices e símbolos proliferam ao nosso redor. Envolve-nos. Espanta-nos.
E, muitas vezes, pouco temos percepção de tal dimensão de envolvimento. Por
quê? Parafraseio Guimarães: porque, no fundo, o mundo é constituído de
paradoxos. A vida é um profundo mistério porque paradoxal. A morte. A luta. Na
verdade, dizia o excelente mestre da Literatura: a existência dos paradoxos se
deve para aquilo que não temos palavras para exprimir. E o escritor mineiro não
deixou a Matemática de lado, visto que para ele a Matemática era um paradoxo que se materializava, inclusive, pelas
fórmulas. Cada fórmula matemática poderia ser um paradoxo. E acrescento com
muita segurança: todas as linguagens, em suas mais diversas dimensões são
verdadeiros paradoxos!
Heidegger
(2011) não deixou por menos a sua aguda investigação a respeito das linguagens [3].
Em sua célebre conversa (em alemão) com um pensador japonês os dois expuseram
fragilidades e potencialidades de línguas diferentes. Ora, o japonês, o chinês
e mais algumas línguas não ocidentais possuem uma gramática totalmente
diferente da maioria das línguas ocidentais. São línguas em que os conceitos
são pouco formulados. Lembremos, em especial, o chinês, mas também a língua
japonesa. São línguas que possuem caracteres e ideogramas. Isso muda tudo visto
que são muito mais icônicas. Enfim, quanto mais caminhamos para possíveis
desvelamentos a respeito da estrutura das linguagens, em geral, parece que mais
perguntas afloram e nos deixam perplexos ante a impotência de termos respostas
conceituais. Se a linguagem traduz o pensamento, como pensar o pensamento?
Enfim, me parece que o pensamento está condenado a nunca ser puro. Sempre
mediado e sendo nesta medida... toda representação vai necessitar de um
aprimoramento.
Literatura e
Matemática: a busca das verdades universais?
Dizem,
na maioria das vezes, em praticamente todas as escalas do pensamento, que a
linguagem das Ciências e da Literatura são completamente opostas. Ou totalmente
sem a menor reconciliação. Áreas distintas: Literatura e Matemática. A
Literatura estaria totalmente voltada para o mundo do impossíveis. Para os
denominados universos ficcionais. Enquanto a Matemática, uma “ciência pura”,
estaria às voltas com verdades únicas e estabelecidas com a firme
intencionalidade de possuir um caráter universal.
Por
um outro lado temos a imagem de um escritor ( seja somente poeta ou não) que,
via de regra, representa um ser com rosto de meio louco. Fora da real.
Sonhador. Trovador. Angustiado. Fascinado.
E de outro lado a figura de um cientista de
qualquer área. Sempre preocupado com cálculos e mais cálculos. Muitas vezes
compenetrado. Misturam-se a tais imagens máquinas e laboratórios. Vapores que
se diluem ao sabor de madrugadas gélidas, visto que o cientista, via de regra,
quase nunca se lembra de relógios, muito menos dos ciclos naturais como, por
exemplo, dia e noite. Primavera, verão, outono e inverno. O cientista é um ser
concentrado. Absorto. Introspectivo. Sério. Racional. Denominado o senhor das
lógicas, muitas vezes, ilógicas.
O
escritor inventa mentiras e vive delas: cavalos voadores, carneiros com penas
de pinguim, bois com bicos de galináceos, galos com barbatanas, pássaros que
falam, gatos que voam sem asas, cavalos verdes, avestruzes espiralados. Aliás,
o melhor: as nove Musas, filhas de Mnemósine, prolongadoras da memória, jamais
largam os escritores, por esta razão, em especial, as palavras e a imaginação brotam como
formiguinhas ágeis e minúsculas no papel ou pululam nos computadores modernos
do escritores, quando não, nas folhas em branco dos escritores. Uma verdadeira
maravilha. Facilidades mil sem precedentes. O escritor possui o “dom da
linguagem”...o “dom da imaginação”... “o dom da preguiça”... “o dom da
contemplação”. Vive infeliz para, geralmente, causar impactos de performances!
E, via de regra, sempre desgrenhado. Cabelos
não aparados. Barbas sempre à espera de navalhas desafiadoramente afiadas.
O
cientista ou matemático vive da racionalidade pura. Lembremos: se conseguimos fazer as quatro operações, assim
como cálculos e mais cálculos, não necessitamos da experiência. Para o
matemático basta o raciocínio. Nada mais. E nos dias atuais existem as máquinas
que calculam tudo. Para que serve a Matemática se as máquinas já fazem tudo? Hoje
em dia tudo está facilitado para os matemáticos, afinal, a cada dia surge uma
máquina, diga-se de passagem, do nada, e que faz operações cada vez mais
complexas. O matemático quase nada tem a 'pensar' na contemporaneidade.
O
escritor está em busca de sonhos mentirosos. O matemático das verdades universais. Em que
medida tudo isso se materializa? O que dizer, por exemplo, de Goethe, o grande
escritor, sensível, que mantinha um verdadeiro laboratório em sua casa?
Cultivava orquídeas e outras plantas para observá-las e sistematizar teorias de
cunho científico? [4] O
que dizer de sua famosa obra a respeito das cores? Diga-se de passagem uma obra
que, em sua época, contradisse Newton (um físico já consagrado pela Academia) e
a teoria das cores de Goethe somente foi legitimada no início do século XX. O
que dizer de um médico, como Guimarães Rosa? Será que sua experiência como
médico não o ajudou a compor sua obra? Claro que sim. A experiência tem tudo a ver
com as grandes obras. Sabe-se disso. O que seria de um escritor sem
experiência? E, acima de qualquer coisa: o que seria de um escritor sem o
domínio da linguagem? De onde poderiam brotar as palavras e, acima de tudo, o
deslocamento da linguagem? O que é literatura, sobretudo, se não um grande
deslocamento de significados? Mas como proceder a tal deslocamento se não estar
plenamente de domínio de um grande repertório? E Pedro Nava? A medicina e seu
exercício foram fundamentais para suas grandes obras memorialísticas. E de
repente nos deparamos com certos textos
de Fernando Pessoa, como por exemplo: “Quase como queria Spinoza, dum lado está
o pensamento, do outro a matéria. Qualquer conceito matemático, como o que uma
quantidade dividida por zero dá infinito, indica claramente que quantidade não
é divisível, porquanto o divisível por qualquer coisa não pode nunca dar uma
coisa maior que ela; e supondo que zero não divide realmente, nesse caso não há
divisão. X dividido por infinito dá zero indica claramente que X não é
divisível por infinito, se tal divisão dá zero, isto é, nada, pois que uma
coisa divisível por outra dá qualquer coisa; ou então X não é divisível por
nada. A matemática é uma ciência só dentro de si própria. Não é aplicável à
realidade.” (Fernando Pessoa, 1994, p.19).
Não
podemos afirmar que os postulados propostos pelo escritor português vieram de
Musas. Naturalmente (e ele jamais omitiu isso) são frutos de estudos
sistemáticos de Matemática e de outras ciências.
E
o matemático? Será que não possui senso contemplativo atribuído aos escritores
e artistas? Em que medida o pensamento quando materializado por equações
algébricas não possui elementos de sensibilidade e percepção? A intuição é um
constitutivo do raciocínio matemático que atua de maneira determinante. Sabe-se
disso. O pensamento matemático admite e exige escolhas para que se trilhem
resultados. Esperados ou não. A Matemática pode surpreender. Muito mais do que um rio que seca e, de repente, mostra
um passado esquecido (barcos enferrujados, cacos de vidros coloridos, objetos
obscurecidos em suas formas originais).
Como
poderia um físico ter escrito o seguinte fragmento? “O tempo físico é muitas
vezes apresentado como uma abstração, como uma realidade etérea, inacessível,
impalpável. Este ponto de vista é exagerado. Existe uma experiência –
propriamente metafísica – do tempo físico que é a do tédio: quando nada
acontece, quando nada se anuncia, quando nada se passa, vivenciamos a
existência de um tempo esvaziado, despido de suas transfigurações e dos seus
cambiantes, investido de autonomia, um tempo sem elasticidade, que parece
ter-se dissociado do devir e da mudança. É o tempo posto a nu, o tempo físico
tal como foi pela primeira vez definido por Newton.
Quando
nos entediamos? Quando o tempo parece vazio ou estéril: porque nada sucede,
porque não temos nada que fazer ou porque não conseguimos interessar-nos pelo
que fizemos. Entediamo-nos, portanto, quando estamos condenados a uma espera da
qual não podemos reduzir a duração. Mas nós também nos entediamos, muito
frequentemente, quando já nada mais temos a esperar. O tempo despoja-se então
de tudo aquilo que normalmente a ele se apega.” (Étienne Klein, 2007, p. 45).
Em
que medida o grande físico e cientista não precisou imaginar, contemplar e
sonhar? Em que medida sua sensibilidade não foi aguçada para fazer tal reflexão
a respeito de um tempo cheio de tédio? Apenas as fórmulas, isoladamente, não
conseguiriam materializar as belas imagens de Klein.
Borges:
jardins de áreas de conhecimentos que se bifurcam
Por
que Borges desconcerta? Eis um fragmento textual que pode nos intrigar: “A Biblioteca é uma esfera cujo
centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível. A cada um
dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra
trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez
páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitentas letras
de cor preta. (Borges, 1999, p. 517) Ponho-me a acompanhar, matematicamente, o
autor. Começo, quase de forma automática, a fazer cálculos e mais cálculos,
imaginando que meus conhecimentos de Matemática (muito fracos, lentos,
lacunares) poderão ajudar na compreensão do texto. Inclusive me valho de uma
máquina de somar e obtenho:
- 05 estantes x 32 livros = 160
livros
- 160 livros x 410 páginas = 65 600
páginas
- 65 600 páginas x 40 linhas = 2 624
000 linhas
- 2 624 000 linhas x 80 letras de
cor preta = 2 099 920 000
Por
um outro lado, vemos, concretamente, por meio da fisicabilidade da linguagem, o
quanto Matemática e Literatura possuem mais afinidades do que se possa
imaginar. Eu imaginei que o autor queria me testar e fiz os cálculos. Mas em se
tratando de Borges e suas eternas sutilezas, é claro que foi apenas minha imaginação (misturada aos traumas de meu
tempo em que a Matemática era uma verdadeira ameaça aos estudantes) que logo
fui fazendo contas e mais contas e mais contas! Imaginei como posso sonhar à
vontade com a linguagem matemática, ora!
Mais
adiante, ainda com Borges, um outro texto intrigante a respeito de
temporalidades:
“O tempo propõe
outras dificuldades. Uma, talvez a maior, a de sincronizar o tempo individual
de cada pessoa com o tempo geral das matemáticas, foi fartamente apregoada pelo
recente alarme relativista, e todos recordam – ou lembram tê-la recordado até
bem pouco tempo. (Eu a retomo assim, deformando-a: Se o tempo é um processo
mental, como podem milhares de homens, ou mesmo dois homens diferentes,
compartilhá-lo?) Outra é destinada pelos eleatas a refutar o movimento. Pode
ser compreendida nestas palavras: ‘É impossível que em oitocentos anos de tempo
transcorra um prazo de quatorze minutos, porque é obrigatório que antes tenham
passado sete, e antes de sete, três minutos e meio, e antes de três e meio, um
minuto e três quartos, e assim infinitamente, de modo que os quatorze minutos
nunca se completam.’ Russell rebate este argumento, afirmando a realidade e
mesmo a vulgaridade dos números infinitos que, entretanto, se dão de uma só vez
por definição, não como termo ‘final’ de um processo enumerativo sem fim. Esses
algarismos anormais de Russell são boa antecipação da eternidade, que tampouco
se deixa definir pela enumeração de suas partes.” (Borges, 1999, 388)
Borges
sempre desconcerta com sua linguagem. Mostra-nos que a linguagem habita um
universo uno. Mostra, como poucos que desarticularam a linguagem de seu lugar
comum, que as linguagens, tanto a da Literatura
como a da Matemática podem caminhar juntas. Paralelas. E mais:
tangenciam-se. Interseccionam-se. Somam-se. Dividem-se. Multiplicam-se.
As
linguagens carregam, por si mesmas, talvez, os maiores mistérios aos quais o
homem, busca, de alguma maneira sondar. As questões ligadas aos sentidos, aos
conceitos, ao sensível e ao raciocínio, lógico ou não, são verdadeiros
paradoxos em andamento por parte de
professores, cientistas, escritores, pesquisadores. A pergunta sempre reaparece: em que escala,
digamos assim, o pensamento precisa da linguagem para se tornar uma realidade
física? A linguagem verbal necessita de outras linguagens para que,
efetivamente, tenha domínio total de um desenvolvimento intelectual? Os
conceitos, em todas as esferas, podem ser compreendidos por uma linguagem não
verbal? Tudo isso, ainda, são questões propostas e inconclusivas. No entanto,
revelam, sob minha ótica, o quanto todas as linguagens são igualmente
importantes. O quanto a linguagem da Matemática precisa da linguagem literária
e vice-versa. O ideal, sabe-se disso, é
penetrar, agudamente, nas teias das linguagens. No fundo, todas as linguagens
estão em busca das sensibilidades (verdadeiras) universais. Todas as linguagens
correm para os mesmos mares, embora por estratos diferentes.
BIBLIOGRAFIA
BAPTISTA,
Ana Maria Haddad. Tempo-Memória. São
Paulo: Arké Editora, 2007.
BORGES,
Jorge Luis. Obras Completas Volume I. São
Paulo: Editora Globo, 1999.
GOETHE,
Johann Wolfgang von. A metamorfose das
plantas. Tradução de Maria Filomena Molder. Porto: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993.
_________________________.
Ensaios Científicos: uma metodologia para
o estudo da natureza. Tradução de Jacira Cardoso. São Paulo: Barany
Editora, Ad Verbum Editorial, 2012.
HEIDEGGER,
Martin. A caminho da linguagem. Tradução
de Marcia Sá Cavalcante Schuback. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança
Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2011.
KLEIN,
Étienne. O Tempo de Galileu a Einstein. Tradução
de Eduardo de Santos. Lisboa: Caleidoscópio, Edição e Artes Gráficas, SA, 2007.
PEIRCE,
S. Charles. Semiótica. Tradução de
José Teixeira Coelho Neto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
PESSOA,
Fernando. Textos Filosóficos. Lisboa:
Ática, S.A., 1994.
[1] Vale a pena uma imagem de Yorgos Seferis: “Vuelvo de la calle: mi
cuarto. Conozco la cama que me espera, y el despertar de mañana, y el trabajo
cotidiano. Fuera, la noche. Dulce y las calles húmedas. Mi espíritu libre, con
las ventanas abiertas de par en par. Las amarguras: la muerte ineludible,
amores que han de terminar, la miséria de la condición humana, circulando por
las rendijas como una brisa primaveral.”
[2]
O conto Desenredo de Guimarães é simplesmente fantástico. O enredo gira em
torno de uma mulher que é casada e se apaixona por Jó Joaquim. Contudo, ela possui dois amantes,
não somente Jó Joaquim. O marido pega a mulher com o outro amante. Mata-o. Posteriormente, o
marido morre e Jó Joaquim casa-se com Irlívia. Novamente é traído. Uma bela
história em que a forma, mais do que nunca, sobrepõe-se ao conteúdo, bem no
estilo de Guimarães.
[3]
Pergunta Heidegger ao japonês: “O que entende o mundo japonês por linguagem? Ou
com mais cuidado ainda: os senhores têm em sua língua uma palavra para
linguagem? Caso não a tenham, como é que os senhores experimentam o que, entre
nós, se chama de linguagem? Resposta: “Esta é uma pergunta que ninguém ainda me
tinha feito. Parece-me também que o mundo japonês não presta atenção para o que
o senhor acaba de perguntar. Por isso, devo pedir licença para alguns momentos
de reflexão.
(O
japonês fecha os olhos, abaixa a cabeça e mergulha em longa meditação. Espero
que meu visitante retome a conversa.)
Há
uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra
que se pudesse usar para dizer língua e fala.” (2011, p. 91)
[4]
“Os cotilédones são, em geral, duplos, e aqui temos de fazer uma observação,
que no futuro há-de parecer ainda mais importante. A saber, as folhas destes
primeiros nós são muitas vezes aos pares, mesmo quando as folhas subsequentes
do caule são alternadas; está à vista aqui, portanto, uma aproximação e união
das partes que a Natureza futuramente separa e afasta uma das outras. O caso é
ainda mais notável, quando os cotilédones aparecem como muitas folhinhas
reunidas em volta de um eixo, e o caule, desenvolvendo-se a pouco e pouco a
partir do centro, produz as folhas subsequentes umas atrás das outras em torno
de si próprio, caso que se pode observar com muita exatidão no crescimento das
espécies de pinus. Aqui, forma-se uma coroa de agulhas quase como que um
cálice, e mais à frente, em fenômenos semelhantes, havemos de lembrar-nos do
presente caso.” (Goethe, 1993, p. 37) E mais: “Um ser orgânico é tão
multifacetado em seu exterior, tão diversificado e inesgotável em seu interior,
que não se consegue escolher pontos de vista suficientes para observá-lo, desenvolver
suficiente órgãos próprios para desmembrá-lo sem o matar. Eu tenho procurado
aplicar às naturezas orgânicas a ideia de que a beleza é perfeição com
liberdade.” (Goethe, 2012, p.69).
Observação: Este texto foi publicado na Revista Tempo Brasileiro de no. 200/2015.
Observação: Este texto foi publicado na Revista Tempo Brasileiro de no. 200/2015.