quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Literatura e Matemática: da linguagem, das linguagens   


Ana Maria Haddad Baptista


Considerações Preliminares






O grande escritor grego moderno, Yorgos Seferis (1900-1971), escreveu em um de seus belos diários, que um livro, entre outras coisas, seria uma espécie de ‘reserva de vida’. Difícil  esquecer de tal imagem que, na verdade, jamais havíamos, sequer, sonhado. Somente, talvez, intuído. Por isso que muitas vezes, compramos  certos livros, em especial, quando sabemos que aquele livro só pode ser muito bom (há indícios: um novo autor a descobrir, um autor muito conhecido e querido) e, simplesmente, adiamos sua leitura. Sabemos, lá do fundo de nossa alma, que naquela obra existe algo que deverá nos surpreender. Que existe um misterioso trabalho de linguagem que deverá nos seduzir.  E, como a vida, via de regra, possui largos espaços de tédio, temos medo de ficarmos sem 'reservas de vida'. Sem brilhos e faíscas que possam cintilar em nosso medíocre cotidiano. Eis uma grande verdade. O que é um livro? Em que medida a literatura preenche espaços inimagináveis? E de repente, muitas vezes,  vou a uma livraria e nada encontro. Vertigem. Estou perdida. Ou um grande autor morre! Um grande pensador! Ficamos mergulhados na mais completa solidão à espera de  que alguma coisa aconteça para sair de um torpor que nos amedronta. [1] Mas, claro, sempre existe  a possibilidade fascinante de pegarmos ‘uma reserva de vida’. Recorremos a Borges. O grande Borges. Abrimos em seus contos, que sempre beiram, uma irrealidade que, quase, extrapola o tácito compromisso de que há um acordo entre autor e leitor que é o pacto da ficção. O pacto do inesperado. Para onde Borges nos pretende levar? Muitas vezes, numa atmosfera rodeada de ritmos da Física, da Matemática e outras ‘áreas do saber’ aparentemente sem a menor conexão com o mundo das pretensas universalidades e verdades. Ou recorremos a Fernando Pessoa. Para meu espanto matemática pura. E um universo completamente dominado por cadeias de signos com os ritmos das teorias dos infinitos.

Da linguagem: pequenos  mistérios e paradoxos

Quando pegamos um livro, seja ele qual for, o que nos intriga, na verdade, está diretamente relacionado com o sentido e as significações que aquele livro nos provoca por intermédio da linguagem. Como produzir sentido? Recordo-me, entre tantos outros que poderia citar, do bom e velho Deleuze: “a lógica do sentido”. Em que medida o sentido possui uma lógica? Platão, desde o Crátilo, sabe-se, questiona o sentido e o significado. Em poucas palavras: o que leva um elefante ser nomeado como tal? Por que um cavalo não poderia ser chamado de carneiro ou vice-versa? E desta forma percebe-se que a preocupação com o sentido das palavras sempre despertou as mais fascinantes discussões. Platão nos coloca dois caminhos para serem refletidos: os nomes podem ser signos convencionais ou poderiam, inclusive, pertencer à sua própria natureza. Isso somente para ficarmos num plano superficial. A história é muito e muito mais longa e complexa. Pensemos: será que todos os objetos (em seu sentido mais amplo) foram, realmente, frutos de meras nomeações convencionais? Será que não houve nomeações que buscaram arduamente relacionar, analogicamente, a coisa à palavra? Em que medida houve um esforço para tal? Em que medida as representações foram inventadas? E, fatalmente, penso em universos sígnicos propostos por Peirce! Creio, (e claro que não estou sozinha) que ele pode satisfazer, em grande parte, as minhas insatisfações. As tais das  incompletudes teóricas. O Universo é composto de signos. Todas as  linguagens são compostas de signos. Ocorre que nem todos os signos são iguais. Não posso comparar,  passivamente, em termos de linguagem, uma imagem com uma palavra qualquer. E neste contexto reside a possível genialidade de Peirce: o Universo é composto de signos que podem, perfeitamente, ser divididos em três categorias: ícones, índices e símbolos. O que seriam os ícones para Peirce? Ora, seriam aqueles signos que conseguem manter uma relação estreita de analogia com o objeto que pretendem significar. E nos dá belos exemplos: as imagens. Os índices como a própria nomenclatura nos indica seriam os signos que possuem uma relação física e material com os objetos que buscam representar, ou seja, se numa praia vemos pegadas da pata de uma ave, sabemos que por lá passou uma ave e assim por diante. Finalmente o símbolo. Para o pensador americano símbolos são as palavras em seu sentido mais convencional. Eu diria: em seu sentido mais ordinário.
Contudo, o que gostaria de evidenciar ( que não se traduz em nenhuma novidade espantosa) é que todas as linguagens, de certa forma, estão irmanadas. Gostaria de ressaltar que  para Peirce quando temos uma bela literatura, com alto grau de poeticidade, nada mais temos que ícones. Ora , qual o papel da Literatura, entre tantos outros? Linguagem. Os ícones na linguagem verbal buscam aproximar as palavras de seus objetos a serem representados. Todavia, isso não se dá somente na Literatura. Na Matemática as coisas não se passam diferente como a maioria acredita. Nas palavras de Peirce (2010, p. 66): “Quando, em álgebra, escrevemos equações uma sob a outra, numa disposição regular, particularmente quando usamos letras semelhantes para coeficientes correspondentes, a disposição obtida é um ícone. Um exemplo:


                        a     x   +  b    y   =   n
                           1              1              1

                     a      x   +  b   y    =   n
                          2            2               2



Isso é um ícone, pelo fato de fazer com que se assemelhem quantidades que mantêm relações análogas com o problema. Com efeito, toda equação algébrica, é um ícone, na medida em que exibe, através de signos algébricos (que em si mesmos não são ícones), as relações das quantidades em questão.”  Mas. Pensemos um pouco com Guimarães Rosa quando nos diz em Desenredo [2] que  Irlívia “era morena, mel e pão”. Que bela imagem! Que belo ícone. Que síntese! O ícone proposto pelo escritor mineiro nos remete, sem dúvidas, a cor meio que bronze, eu diria, bronzeado do mel. E, ainda, claro que o autor nos mostra que a mulher  tinha a doçura do mel e a gostosura do pão. E o pão, claro,  o alimento simbólico ( saciedade da fome). Com isso quero dizer que a aparente disparidade entre, no caso, a linguagem da Matemática e a linguagem da Literatura não existem! Os ícones, índices e símbolos proliferam ao nosso redor. Envolve-nos. Espanta-nos. E, muitas vezes, pouco temos percepção de tal dimensão de envolvimento. Por quê? Parafraseio Guimarães: porque, no fundo, o mundo é constituído de paradoxos. A vida é um profundo mistério porque paradoxal. A morte. A luta. Na verdade, dizia o excelente mestre da Literatura: a existência dos paradoxos se deve para aquilo que não temos palavras para exprimir. E o escritor mineiro não deixou a Matemática de lado, visto que para ele a Matemática era um paradoxo  que se materializava, inclusive, pelas fórmulas. Cada fórmula matemática poderia ser um paradoxo. E acrescento com muita segurança: todas as linguagens, em suas mais diversas dimensões são verdadeiros paradoxos!
Heidegger (2011) não deixou por menos a sua aguda investigação a respeito das linguagens [3]. Em sua célebre conversa (em alemão) com um pensador japonês os dois expuseram fragilidades e potencialidades de línguas diferentes. Ora, o japonês, o chinês e mais algumas línguas não ocidentais possuem uma gramática totalmente diferente da maioria das línguas ocidentais. São línguas em que os conceitos são pouco formulados. Lembremos, em especial, o chinês, mas também a língua japonesa. São línguas que possuem caracteres e ideogramas. Isso muda tudo visto que são muito mais icônicas. Enfim, quanto mais caminhamos para possíveis desvelamentos a respeito da estrutura das linguagens, em geral, parece que mais perguntas afloram e nos deixam perplexos ante a impotência de termos respostas conceituais. Se a linguagem traduz o pensamento, como pensar o pensamento? Enfim, me parece que o pensamento está condenado a nunca ser puro. Sempre mediado e sendo nesta medida... toda representação vai necessitar de um aprimoramento. 

Literatura e Matemática: a busca das verdades universais?


Dizem, na maioria das vezes, em praticamente todas as escalas do pensamento, que a linguagem das Ciências e da Literatura são completamente opostas. Ou totalmente sem a menor reconciliação. Áreas distintas: Literatura e Matemática. A Literatura estaria totalmente voltada para o mundo do impossíveis. Para os denominados universos ficcionais. Enquanto a Matemática, uma “ciência pura”, estaria às voltas com verdades únicas e estabelecidas com a firme intencionalidade de possuir um caráter universal.
Por um outro lado temos a imagem de um escritor ( seja somente poeta ou não) que, via de regra, representa um ser com rosto de meio louco. Fora da real. Sonhador. Trovador. Angustiado. Fascinado.
 E de outro lado a figura de um cientista de qualquer área. Sempre preocupado com cálculos e mais cálculos. Muitas vezes compenetrado. Misturam-se a tais imagens máquinas e laboratórios. Vapores que se diluem ao sabor de madrugadas gélidas, visto que o cientista, via de regra, quase nunca se lembra de relógios, muito menos dos ciclos naturais como, por exemplo, dia e noite. Primavera, verão, outono e inverno. O cientista é um ser concentrado. Absorto. Introspectivo. Sério. Racional. Denominado o senhor das lógicas, muitas vezes, ilógicas.
O escritor inventa mentiras e vive delas: cavalos voadores, carneiros com penas de pinguim, bois com bicos de galináceos, galos com barbatanas, pássaros que falam, gatos que voam sem asas, cavalos verdes, avestruzes espiralados. Aliás, o melhor: as nove Musas, filhas de Mnemósine, prolongadoras da memória, jamais largam os escritores, por esta razão, em especial,  as palavras e a imaginação brotam como formiguinhas ágeis e minúsculas no papel ou pululam nos computadores modernos do escritores, quando não, nas folhas em branco dos escritores. Uma verdadeira maravilha. Facilidades mil sem precedentes. O escritor possui o “dom da linguagem”...o “dom da imaginação”... “o dom da preguiça”... “o dom da contemplação”. Vive infeliz para, geralmente, causar impactos de performances! E, via de regra,  sempre desgrenhado. Cabelos não aparados. Barbas sempre à espera de navalhas desafiadoramente afiadas.
O cientista ou matemático vive da racionalidade pura. Lembremos: se  conseguimos fazer as quatro operações, assim como cálculos e mais cálculos, não necessitamos da experiência. Para o matemático basta o raciocínio. Nada mais. E nos dias atuais existem as máquinas que calculam tudo. Para que serve a Matemática se as máquinas já fazem tudo? Hoje em dia tudo está facilitado para os matemáticos, afinal, a cada dia surge uma máquina, diga-se de passagem, do nada, e que faz operações cada vez mais complexas. O matemático quase nada tem a 'pensar' na contemporaneidade.
O escritor está em busca de sonhos mentirosos.  O matemático das verdades universais. Em que medida tudo isso se materializa? O que dizer, por exemplo, de Goethe, o grande escritor, sensível, que mantinha um verdadeiro laboratório em sua casa? Cultivava orquídeas e outras plantas para observá-las e sistematizar teorias de cunho científico? [4] O que dizer de sua famosa obra a respeito das cores? Diga-se de passagem uma obra que, em sua época, contradisse Newton (um físico já consagrado pela Academia) e a teoria das cores de Goethe somente foi legitimada no início do século XX. O que dizer de um médico, como Guimarães Rosa? Será que sua experiência como médico não o ajudou a compor sua obra? Claro que sim. A experiência tem tudo a ver com as grandes obras. Sabe-se disso. O que seria de um escritor sem experiência? E, acima de qualquer coisa: o que seria de um escritor sem o domínio da linguagem? De onde poderiam brotar as palavras e, acima de tudo, o deslocamento da linguagem? O que é literatura, sobretudo, se não um grande deslocamento de significados? Mas como proceder a tal deslocamento se não estar plenamente de domínio de um grande repertório? E Pedro Nava? A medicina e seu exercício foram fundamentais para suas grandes obras memorialísticas. E de repente  nos deparamos com certos textos de Fernando Pessoa, como por exemplo: “Quase como queria Spinoza, dum lado está o pensamento, do outro a matéria. Qualquer conceito matemático, como o que uma quantidade dividida por zero dá infinito, indica claramente que quantidade não é divisível, porquanto o divisível por qualquer coisa não pode nunca dar uma coisa maior que ela; e supondo que zero não divide realmente, nesse caso não há divisão. X dividido por infinito dá zero indica claramente que X não é divisível por infinito, se tal divisão dá zero, isto é, nada, pois que uma coisa divisível por outra dá qualquer coisa; ou então X não é divisível por nada. A matemática é uma ciência só dentro de si própria. Não é aplicável à realidade.” (Fernando Pessoa, 1994, p.19).
Não podemos afirmar que os postulados propostos pelo escritor português vieram de Musas. Naturalmente (e ele jamais omitiu isso) são frutos de estudos sistemáticos de Matemática e de outras ciências.
E o matemático? Será que não possui senso contemplativo atribuído aos escritores e artistas? Em que medida o pensamento quando materializado por equações algébricas não possui elementos de sensibilidade e percepção? A intuição é um constitutivo do raciocínio matemático que atua de maneira determinante. Sabe-se disso. O pensamento matemático admite e exige escolhas para que se trilhem resultados. Esperados ou não. A Matemática pode surpreender. Muito mais  do que um rio que seca e, de repente, mostra um passado esquecido (barcos enferrujados, cacos de vidros coloridos, objetos obscurecidos em suas formas originais).
Como poderia um físico ter escrito o seguinte fragmento? “O tempo físico é muitas vezes apresentado como uma abstração, como uma realidade etérea, inacessível, impalpável. Este ponto de vista é exagerado. Existe uma experiência – propriamente metafísica – do tempo físico que é a do tédio: quando nada acontece, quando nada se anuncia, quando nada se passa, vivenciamos a existência de um tempo esvaziado, despido de suas transfigurações e dos seus cambiantes, investido de autonomia, um tempo sem elasticidade, que parece ter-se dissociado do devir e da mudança. É o tempo posto a nu, o tempo físico tal como foi pela primeira vez definido por Newton.
Quando nos entediamos? Quando o tempo parece vazio ou estéril: porque nada sucede, porque não temos nada que fazer ou porque não conseguimos interessar-nos pelo que fizemos. Entediamo-nos, portanto, quando estamos condenados a uma espera da qual não podemos reduzir a duração. Mas nós também nos entediamos, muito frequentemente, quando já nada mais temos a esperar. O tempo despoja-se então de tudo aquilo que normalmente a ele se apega.” (Étienne Klein, 2007, p. 45).
Em que medida o grande físico e cientista não precisou imaginar, contemplar e sonhar? Em que medida sua sensibilidade não foi aguçada para fazer tal reflexão a respeito de um tempo cheio de tédio? Apenas as fórmulas, isoladamente, não conseguiriam materializar as belas imagens de Klein.


Borges: jardins de áreas de conhecimentos que se bifurcam

Por que Borges desconcerta? Eis um fragmento textual que pode  nos intrigar: “A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível. A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha, de umas oitentas letras de cor preta. (Borges, 1999, p. 517) Ponho-me a acompanhar, matematicamente, o autor. Começo, quase de forma automática, a fazer cálculos e mais cálculos, imaginando que meus conhecimentos de Matemática (muito fracos, lentos, lacunares) poderão ajudar na compreensão do texto. Inclusive me valho de uma máquina de somar e obtenho:

  1. 05 estantes x 32 livros = 160 livros
  2. 160 livros x 410 páginas = 65 600 páginas
  3. 65 600 páginas x 40 linhas = 2 624 000 linhas
  4. 2 624 000 linhas x 80 letras de cor preta = 2 099 920 000

Por um outro lado, vemos, concretamente, por meio da fisicabilidade da linguagem, o quanto Matemática e Literatura possuem mais afinidades do que se possa imaginar. Eu imaginei que o autor queria me testar e fiz os cálculos. Mas em se tratando de Borges e suas eternas sutilezas, é claro que foi apenas minha  imaginação (misturada aos traumas de meu tempo em que a Matemática era uma verdadeira ameaça aos estudantes) que logo fui fazendo contas e mais contas e mais contas! Imaginei como posso sonhar à vontade com a linguagem  matemática, ora!
Mais adiante, ainda com Borges, um outro texto intrigante a respeito de temporalidades:
O tempo propõe outras dificuldades. Uma, talvez a maior, a de sincronizar o tempo individual de cada pessoa com o tempo geral das matemáticas, foi fartamente apregoada pelo recente alarme relativista, e todos recordam – ou lembram tê-la recordado até bem pouco tempo. (Eu a retomo assim, deformando-a: Se o tempo é um processo mental, como podem milhares de homens, ou mesmo dois homens diferentes, compartilhá-lo?) Outra é destinada pelos eleatas a refutar o movimento. Pode ser compreendida nestas palavras: ‘É impossível que em oitocentos anos de tempo transcorra um prazo de quatorze minutos, porque é obrigatório que antes tenham passado sete, e antes de sete, três minutos e meio, e antes de três e meio, um minuto e três quartos, e assim infinitamente, de modo que os quatorze minutos nunca se completam.’ Russell rebate este argumento, afirmando a realidade e mesmo a vulgaridade dos números infinitos que, entretanto, se dão de uma só vez por definição, não como termo ‘final’ de um processo enumerativo sem fim. Esses algarismos anormais de Russell são boa antecipação da eternidade, que tampouco se deixa definir pela enumeração de suas partes.” (Borges, 1999, 388)
Borges sempre desconcerta com sua linguagem. Mostra-nos que a linguagem habita um universo uno. Mostra, como poucos que desarticularam a linguagem de seu lugar comum, que as linguagens, tanto a da Literatura  como a da Matemática podem caminhar juntas. Paralelas. E mais: tangenciam-se. Interseccionam-se. Somam-se. Dividem-se. Multiplicam-se.

Das Inconclusões




As linguagens carregam, por si mesmas, talvez, os maiores mistérios aos quais o homem, busca, de alguma maneira sondar. As questões ligadas aos sentidos, aos conceitos, ao sensível e ao raciocínio, lógico ou não, são verdadeiros paradoxos  em andamento por parte de professores, cientistas, escritores, pesquisadores.  A pergunta sempre reaparece: em que escala, digamos assim, o pensamento precisa da linguagem para se tornar uma realidade física? A linguagem verbal necessita de outras linguagens para que, efetivamente, tenha domínio total de um desenvolvimento intelectual? Os conceitos, em todas as esferas, podem ser compreendidos por uma linguagem não verbal? Tudo isso, ainda, são questões propostas e inconclusivas. No entanto, revelam, sob minha ótica, o quanto todas as linguagens são igualmente importantes. O quanto a linguagem da Matemática precisa da linguagem literária e  vice-versa. O ideal, sabe-se disso, é penetrar, agudamente,  nas teias das  linguagens. No fundo, todas as linguagens estão em busca das sensibilidades (verdadeiras) universais. Todas as linguagens correm para os mesmos mares, embora por estratos diferentes.


BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, Ana Maria Haddad. Tempo-Memória. São Paulo: Arké Editora, 2007.
BORGES, Jorge Luis. Obras Completas Volume I. São Paulo: Editora Globo, 1999.
GOETHE, Johann Wolfgang von. A metamorfose das plantas. Tradução de Maria Filomena Molder. Porto: Imprensa Nacional  Casa da Moeda, 1993.
_________________________. Ensaios Científicos: uma metodologia para o estudo da natureza. Tradução de Jacira Cardoso. São Paulo: Barany Editora, Ad Verbum Editorial, 2012.
HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2011.
KLEIN, Étienne. O Tempo de Galileu a Einstein. Tradução de Eduardo de Santos. Lisboa: Caleidoscópio, Edição e Artes Gráficas, SA, 2007.
PEIRCE, S. Charles. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
PESSOA, Fernando. Textos Filosóficos. Lisboa: Ática, S.A., 1994.





[1] Vale a pena uma imagem de  Yorgos Seferis: “Vuelvo de la calle: mi cuarto. Conozco la cama que me espera, y el despertar de mañana, y el trabajo cotidiano. Fuera, la noche. Dulce y las calles húmedas. Mi espíritu libre, con las ventanas abiertas de par en par. Las amarguras: la muerte ineludible, amores que han de terminar, la miséria de la condición humana, circulando por las rendijas como una brisa primaveral.” 
[2] O conto Desenredo de Guimarães é simplesmente fantástico. O enredo gira em torno de uma mulher que é casada e se apaixona por  Jó Joaquim. Contudo, ela possui dois amantes, não somente Jó Joaquim. O marido pega a mulher com o  outro amante. Mata-o. Posteriormente, o marido morre e Jó Joaquim casa-se com Irlívia. Novamente é traído. Uma bela história em que a forma, mais do que nunca, sobrepõe-se ao conteúdo, bem no estilo de Guimarães.

[3] Pergunta Heidegger ao japonês: “O que entende o mundo japonês por linguagem? Ou com mais cuidado ainda: os senhores têm em sua língua uma palavra para linguagem? Caso não a tenham, como é que os senhores experimentam o que, entre nós, se chama de linguagem? Resposta: “Esta é uma pergunta que ninguém ainda me tinha feito. Parece-me também que o mundo japonês não presta atenção para o que o senhor acaba de perguntar. Por isso, devo pedir licença para alguns momentos de reflexão.
(O japonês fecha os olhos, abaixa a cabeça e mergulha em longa meditação. Espero que meu visitante retome a conversa.)
Há uma palavra japonesa que diz mais a essência da linguagem. Não é uma palavra que se pudesse usar para dizer língua e fala.” (2011, p. 91)

[4] “Os cotilédones são, em geral, duplos, e aqui temos de fazer uma observação, que no futuro há-de parecer ainda mais importante. A saber, as folhas destes primeiros nós são muitas vezes aos pares, mesmo quando as folhas subsequentes do caule são alternadas; está à vista aqui, portanto, uma aproximação e união das partes que a Natureza futuramente separa e afasta uma das outras. O caso é ainda mais notável, quando os cotilédones aparecem como muitas folhinhas reunidas em volta de um eixo, e o caule, desenvolvendo-se a pouco e pouco a partir do centro, produz as folhas subsequentes umas atrás das outras em torno de si próprio, caso que se pode observar com muita exatidão no crescimento das espécies de pinus. Aqui, forma-se uma coroa de agulhas quase como que um cálice, e mais à frente, em fenômenos semelhantes, havemos de lembrar-nos do presente caso.” (Goethe, 1993, p. 37) E mais: “Um ser orgânico é tão multifacetado em seu exterior, tão diversificado e inesgotável em seu interior, que não se consegue escolher pontos de vista suficientes para observá-lo, desenvolver suficiente órgãos próprios para desmembrá-lo sem o matar. Eu tenho procurado aplicar às naturezas orgânicas a ideia de que a beleza é perfeição com liberdade.” (Goethe, 2012, p.69).

Observação: Este texto foi publicado na Revista Tempo Brasileiro de no. 200/2015.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015


Chaplin ou um exemplo a seguir


Ana Maria Haddad Baptista



De tempos em tempos a humanidade, de acordo com diversos pensadores das mais diversas áreas do conhecimento,  passa por verdadeiros vazios. Vazios existenciais. Vazios teóricos. Vazios de artes. Enfim, há um deserto de boas ideias. E nessa medida, tudo parece igual. Monótono. Sem originalidade. A cópia da cópia. Imitações baratas e ordinárias.
Tudo indica que estamos atravessando um período como o citado. Cães, homens e mulheres estão quase na mesma escala da moda e da alimentação, por exemplo. Cães e outros bichos transportados por motoristas particulares ou táxis! Cães ficam em hotéis luxuosos! Cobras e ursos polares são tratados com carne de primeira e outros petiscos  alimentares! O homem, em nossos tempos, vai  para o espaço sideral com frequência regular! No entanto...milhões de pessoas morrem de fome e sede! Pasmem! Os refugiados sistematicamente humilhados  e disputando bisnagas de pão tanto quanto galinhas disputam minhocas!
Mas.
Justamente em épocas de grandes vazios de reflexão (em especial a reflexão a respeito do existencial) surgem raros pensadores. Aqueles que, de fato, mudam, radicalmente conceitos.
Estamos nos referindo ao gênio Charles Chaplin!  O livro Minha Vida: Chaplin, é uma excelente autobiografia relançada no Brasil, recentemente, pela Editora José Olympio. E, nessa medida, um bálsamo para os dias desencantados com os quais nos deparamos na atualidade. Temos uma escrita, estritamente, saborosa! E de sobra um exemplo de vida! Chaplin, poucos sabem, passou pelas maiores misérias que um ser humano pode ser submetido. Desde criança desafiou a vida no que ela tem de mais miserável como nos indica a seguinte passagem do livro: "Nos primeiros dias senti-me perdido e infeliz, pois no asilo eu sempre sentia que mamãe estava perto, o que era um consolo, mas em Hanwell parecíamos estar a milhões de distância. Sydney [o irmão mais velho de Chaplin] e eu passamos do pavilhão de seleção para a escola, onde nos separaram - Sydney indo para a turma dos maiores e eu para a dos pequenos. Dormíamos em pavilhões diferentes e assim raramente nos avistávamos. Eu tinha pouco mais de seis anos e estava só, o que me fazia sentir arrasado; especialmente numa noite de verão à hora de dormir durante as preces, quando ajoelhado com outros vinte garotinhos no centro do pavilhão, todos de camisola, eu olhava pelas janelas oblongas o sol que se punha e as colinas onduladas e sentia-me um estranho àquilo tudo enquanto cantávamos com vozes guturais e desafinadas". Enfim, sua infância, com a mãe doente e o pai, um artista decadente e que bebia muito, foi um desastre. Caminhou pelas ruas de Londres, durante anos, tentando ganhar tostões para sobreviver, entre as idas e vindas de sua mãe  pelos hospitais e sanatórios. Na verdade, teve todas as condições para virar um bandido ou similar.
No entanto, Chaplin, de acordo com suas palavras, sempre percebeu que gostava do palco. Mas acima de qualquer coisa: jamais se dobrou a modelos preestabelecidos. Passou por dezenas de companhias de teatro, de inúmeros estilos, mas nunca ficou muito tempo. Sempre que se percebia na mesmice, mudava de rumo e de tom. O que isso significa? Que a originalidade do maior mito do cinema se sobrepôs aos infames limites daqueles que somente buscam as cópias e as habituais repetições. Chaplin, acima de qualquer coisa, desafiou os modelos e fórmulas que em sua época davam certo. Houve, de sua parte, uma teimosia e persistência sem precedentes para, realmente, conseguir impor os seus sonhos de artista.
A concretização de Carlitos, a sua originalidade, nas palavras de Chaplin: "Eu não tinha a menor ideia sobre a caracterização que iria usar.(...) Contudo, a caminho do guarda-roupa, pensei em usar umas calças bem largas, estilo balão, sapatos enormes, um casaquinho bem apertado e um chapéu-coco pequenino, além de uma bengalinha. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças fofas com o casaco justo, os sapatões com o chapeuzinho. (...) Não tinha nenhuma ideia, igualmente, sobre a psicologia da personagem. Mas no momento em que assim me vesti, as roupas e a caracterização me fizeram compreender a espécie de pessoa que ele era. Comecei a conhecê-lo e, no momento em que entrei no palco de filmagem, ele já havia nascido. Estava totalmente definido."
E foi a partir, em especial, do momento descrito por Chaplin, que ele pode dar continuidade a tudo que estava, de certa maneira, contido em seus sonhos, devaneios e memórias de sua própria vida. Abre-se para ele um mundo cada vez mais promissor, diga-se de passagem, em todos os sentidos. Chaplin criou um tipo imortal. Atemporal. O tipo, totalmente original, é o conceito (cheio de multiplicidades) do poeta, do sonhador, do vagabundo, assim como do cavalheiro, do solitário, do cientista e que pode até roubar uma bala ou pirulito de uma criança!
Finalmente, com a leitura deste livro, simplesmente sublime, reavaliamos o mundo à nossa volta. Concluímos, uma vez mais, que uma existência, por mais simples e limitada que seja, pode ser reinventada. A vida é desafiadora. A realidade é cruel, no entanto pode ser suavizada, em especial, a partir dos artistas. Ou seja, a partir daqueles que conseguem nos levar a um universo original. Infinito. Inesgotável. Pleno de novidades.


Obs: Grande parte deste texto foi publicado pela Revista Filosofia (Editora Escala).

domingo, 13 de setembro de 2015





Néctar de Letras: Enterrem meu coração na curva dos mares de memórias

Ana Maria Haddad Baptista


“Μην ξεχνάτε ότι η στιγμή της δημιουργίας συνδέεται σε κάθε στιγμή της ζωής.”
“Não esqueça que o instante da criação está ligado a todo o instante da vida.”
Giorgos Seféris

“Η ανθρώπινη ζωή γίνεται του χρόνου: η ώρα της σποράς, την πάροδο του χρόνου, την ώρα της θλίψης, την ώρα της χαράς, μια φορά για την αγάπη, την ώρα της μοναξιάς.”
“A vida humana é feita de tempos: tempo de semear, tempo de colher, tempo de tristeza, tempo de alegria, tempo de amor, tempo de solidão.”
Giorgos Seféris

A vida humana é feita de humilhações que confrontam os verdadeiros valores. Os refugiados colocam em pauta, nunca escala global, quem é quem. Pode-se mais do que em qualquer outro momento da história da humanidade, observar a arrogância da Europa, o cinismo americano e  a recepção aberta do Brasil (apesar de tudo) diante de um quadro monstruoso que arrasa memórias coletivas e individuais.
Giorgos  Seféris é um escritor grego do século XX. Nasceu em Esmirna, Turquia, em 1900, que na época ainda era uma cidade grega da Ásia Menor. Morreu em Atenas em 1971.  Primeiro escritor grego a conseguir um Nobel em Literatura no ano de 1963.  Pouco conhecido e lido nos dias atuais, mesmo na Grécia.
Sua obra, tecida de forma detalhada e bastante reflexiva,  compõe-se de poesia e prosa.  Traduzida para muitos idiomas, contudo,  atualmente, é quase que uma façanha encontrar a obra do autor, em especial, sua obra em prosa que consiste em diários, ensaios e cartas. Todas elas com um altíssimo grau de poeticidade. A prosa  de Seféris é uma contínua reflexão a respeito do papel da literatura e do fazer literário. Sua relação, no momento enquanto escreve, com o passado é a de uma permanente continuidade  com os valores culturais, gerais do passado helênico. O conceito de temporalidade no conjunto de obras de Seféris é o de indivisibilidade. Tempos que se misturam. Alternam-se sem uma ordem previamente estabelecida. Ritmos de tempo-memória sobrepostos.
De um modo geral, não é incomum na virada do final do século XIX para o século XX, encontrarmos uma grande grau de memorialismo nas mais variadas literaturas mundiais. As evidências históricas levam a crer que devido à queda de grandes impérios, por exemplo o Império Otomano, assim como a dissolução de outros  imperialismos, assim como  a independência de muitos países, levaram, em parte,  os escritores a uma  valorização de elementos nacionais.
O que se pode entender por um escritor memorialista? Na maioria das vezes um escritor memorialista está preocupado  com suas próprias memórias. Conforme se sabe, não é incomum os grandes relatos de uma vida inteira, ou de partes de uma vida centradas em suas próprias experiências, inclusive, muitas vezes, beirando um certo grau de narcisismo.
Num contexto  onde o modelo de subjetividade ganha novos contornos e um dos traços de tais contornos é a valorização extrema e quase inútil sobre os próprios  caminhos, sob nossa perspectiva, Seféris, é bastante singular. O que menos importa é o seu próprio eu. Por intermédio de suas memórias o escritor grego procura, sempre, ressaltar os outros, especialmente os que ficaram à margem. Nessa medida, recupera o nobre papel dos poetas da Antiguidade, ou seja, aqueles que guiados pelas Musas vão em busca do passado coletivo de seu povo, os eternos mestres da verdade.
Seféris é autor de um projeto poético consciente da grande importância do papel do escritor.  Os pressupostos epistemológicos de sua literatura evidenciam sua postura. O escritor grego, via de regra,  recupera imagens mitológicas, grandes escritores do passado grego e de sua geração.
O papel do poeta não é equivalente ao do historiador. Contudo,  é inegável que o escritor rivaliza-se com o historiador, entretanto, com muitas vantagens. O poeta não possui nenhum compromisso aparente para com a verdade. Seu compromisso maior  é com a própria vida, com a dignidade humana.
 O historiador, por mais que seu discurso  contenha  elementos de ficção, está atrelado  ao peso dos fatos e dos documentos.  Nunca vai possuir a leveza que a liberdade poética outorga ao poeta. Entre o historiador e o leitor existe um acordo tácito, implícito do compromisso em resgatar uma memória “onde realmente as coisas ocorreram”.
Seféris é consciente de que não existe uma coincidência do tempo em que escreve com os fatos que narra, mas por isso mesmo evidencia aqueles fatos e pessoas que podem ser importantes para a recuperação do passado e analisar o presente sem  inúteis nostalgias.


Mar, mares, memórias

A obra de Seféris  insiste num tema muito caro, de um modo geral, para a  maioria dos gregos: o mar.  As referências ao mar são contínuas e insistentes na prosa e na poesia do escritor grego e alude a várias coisas. O poema [1]  a seguir é um dos inúmeros exemplos:

 À maneira de G.S.

Para onde quer que eu viaje, a Grécia me dói.

No Pélion em meio às castanheiras a camisa do
      Centauro
deslizava entre as folhas para vir enrolar-se no meu corpo
enquanto eu galgava a encosta e o mar me
        acompanhava
até chegarmos às águas da montanha.
em Santorini tocando eu ilhas que afundavam
escutando uma flauta soar algures entre as pedras-pomes
a mão pregou-me à amurada do navio
uma seta de súbito lançada
dos confins da esvanecida juventude.
Em Micenas ergui as grandes pedras e os tesouros dos
      Átridas
e junto deles me deitei no hotel “A Bela Helena de
     Menelau”;
só desapareceram na alva ao canto da Cassandra
com um galo a lhe pender do colo negro.
Em Sptese em Míconos em Poros
enfadou-me ouvir as barcarolas.

Que pretendem esses todos quando dizem
que podem ser achados em Atenas ou no Pireu?
Um vem de Salamina e quer saber de um outro se ele
       “vem da Omônia”
“Não, venho do Sintagma” responde ancho de si
“Encontrei o Yánnis convidou-me a um sorvete.”
No entrementes é a Grécia que viaja
não sabemos de nada não sabemos quem somos nós
       desembarcados
ignoramos a amargura do porto quando os barcos todos
      já partiram
escarnecemos aqueles que ainda a sentem.

Estranha gente que pretende achar-se na Ática e não está
      em parte alguma;
compram confeitos de amêndoas quando vão casar
usam  “loção para o cabelo” fotografam-se
o homem que hoje vi sentado em frente de um telão com
       flores e pombinhos 
permitia que a velha mão do fotógrafo alisasse as rugas
que lhe deixaram na pele do rosto
os galos do céu.

No entrementes é a Grécia que viaja ela toda que viaja
e se “vemos o mar Egeu a florir de cadáveres”
são daqueles que quiseram tomar o grande  barco
      nadando-lhe ao encontro
daqueles que cansaram de esperar navios que já não
partem o  “Samotrácia” o “Elsie” o “Ambracia”.
Apitam os navios agora que anoitece no Pireu
todos apitam todos mas não se move cabestrante
algum corrente alguma que úmida cintile à luz agoni-
zante
       o capitão está ali de pedra em meio aos astros e os
galões.
Para onde quer que eu viaje a Grécia me dói;
cadeias de montanhas, arquipélagos, granitos escala-
     vrados.
O navio a viajar é o “Agonia 937”. 


O poema em questão  refere-se ao mar enquanto uma imagem que lembra partida, um adeus incerto, que não se sabe definitivo ou não.  Ao mesmo tempo não é centrado em uma partida individual. O memorialismo, neste poema,  é essencialmente coletivo. Escrito em 1937, quando a Grécia  estava, uma vez mais, como ocorreu em quase todo o século XX, com graves conturbações políticas internas e externas. Confusões, rebeliões marcam as terras gregas. O escritor grego materializa, desta forma, a angústia de sua gente. As partidas involuntárias cheias de dor. A dor de largar terras conhecidas, as memórias enraizadas e caminhar para um exílio indeterminado sob todos os pontos de vista.  A ausência de um futuro, a incerteza dos devires.

Ler Seféris é a entrada para um universo centrado no movente. Sente-se, em seus silêncios, assim como em suas imagens, uma incrível potência. Sua literatura dialoga com o  mais alto grau de humanização. Dá-nos  a certeza de que não estamos tão sozinhos nos labirintos e bifurcações  infinitos de nossa interioridade. Ler Seféris pode ser uma entrada para a liberdade que projeta altos sonhos nos universos insondáveis da imaginação, da sensibilidade. Ela recupera, resgata a potencialidade interior de se materializar realidades supostamente inatingíveis.
Infelizmente o escritor grego nunca foi tão atual. Assistimos, derrotados, imagens de povos que, na mesma medida de Seféris, deixam suas memórias afogadas  e de forma humilhante pedem asilo em terras desconhecidas.  


BIBLIOGRAFIA

BAPTISTA, Ana Maria Haddad. Giorgos Seféris: mar, mares, memórias. São Paulo, Arte-Livros Editora, 2011.
_________________________. Tempo-memória. São Paulo, Arké Editora, 2007.
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Lisboa, Edições 70, Ltda, [s.d.].
SEFÉRIS, Giórgos. El Estilo Griego volumes I, II e III. Tradução de Selma Ancira. México, Fondo de Cultura Económica, [s.d.].
______________. Poemas. Seleção, introdução, tradução direta do grego  e notas de José Paulo Paes. São Paulo, Nova Alexandria, 1995.
_______________. Trois poèmes secrets. Tradução de Yves Bonnefoy e Lorand Gaspar. França, Gallimard, 1980.
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_______________. ΠOIHMATA, Atenas: Editora Ikaros, 2004.

SOULI, Sofia. Mitologia Griega. Atenas, Editora Toubi’s, 2002.
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. Tradução de Haiganuch Sarian. Rio de Janeiro, Paz e Terra, [s.d.].

Obs: Grande parte deste texto foi publicado pela  Revista Filosofia (Editora Escala).
















[1] A tradução, diretamente do grego, é de José Paulo Paes. Entretanto, foi cotejada com o texto original. Usamos a obra da décima oitava edição do Poímata ,Atenas,Ikaros, 2004.